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Denise Sankievicz
Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

Os Ministros do Supremo Tribunal Federal voltarão a discutir o poder de investigação do Ministério Público. O tema, na atualidade, certamente está dentre os que mais suscita debates acalorados do meio jurídico. No meio social, infelizmente, de forma geral, o assunto é desconhecido. A sociedade permanece alheia à discussão travada entre ilustres juristas, não tendo a menor idéia de como a tão aguardada decisão do STF pode afetá-la.

A discussão, na verdade, é mais uma exclusividade brasileira, daquelas, todavia, que não se deve ter orgulho. Difícil tentar explicar a um europeu ou a um americano que o Ministério Público, órgão responsável por promover a acusação penal, não pode investigar, isto é, não pode produzir diretamente as provas que legitimarão a abertura do processo criminal que será movido, por ele, contra um cidadão. O que diriam, ademais, ao saber que o Ministério Público e a Polícia - os dois principais protagonistas no combate à criminalidade ? dividem forças e digladiam-se em um debate autofágico no qual só ganham os criminosos? Nos Estados Unidos, por exemplo, onde os investigadores do FBI atuam sob as instruções e diretrizes do attorney general (procurador-geral), impensável seria a existência de tanta polêmica em torno do que, para eles, é de tamanha obviedade.

Deixando as questões jurídicas de lado, limito-me ao aspecto prático da pretensão de exclusividade: quando a polícia falhar, quem investigará? Sim, porque não há órgão infalível. A Polícia, assim como o Ministério Público e o Judiciário, pode falhar, omitir ou mesmo deixar de conduzir investigações com a presteza necessária. Acolhida a tese da exclusividade, somente a própria Polícia poderia sanar essa conduta inapropriada e, se por qualquer razão não se desincumbisse dessa tarefa, nada nos restaria fazer. De pouco adianta o poder de fiscalização que dispõe o Ministério Público (controle externo) se lhe tirarem os meios necessários para exercê-lo: a capacidade de investigação.

Penso que a exclusividade sempre é perigosa. Nunca é demais ter um plano reserva, acaso o original falhe. A necessidade que tem esse país de combater a criminalidade é inegável. Por que, então, impedir que a investigação criminal, quando o caso assim o exigir, seja feita pelo Ministério Público?

Importante ressaltar que a investigação pelo Ministério Público em hipótese alguma impedirá, excluirá ou diminuirá a atuação da Polícia. A Polícia é e será, sempre, o investigador nato. Tal, contudo, não significa dizer que deva ser o único órgão, no país, a trabalhar na elucidação de fatos criminosos. Acolher a tese da exclusividade da investigação criminal pela Polícia significa excluir como parceiros não apenas o Ministério Público, mas também outros órgãos, tais como Receita Federal, INSS, IBAMA, COAF e Banco Central, que desempenham importante papel na apuração de crimes.

Por que, então, abrir mão da multidisciplinaridade, especialmente quando se sabe que a Polícia - não por vontade própria, mas por falta de adequado aparelhamento ?, não é capaz de solucionar, em tempo hábil, parte razoável da demanda vertiginosa que já lhe é encaminhada? Quem ganha com a reserva da investigação criminal em favor da Polícia? Por certo, não é o interesse público, não é a sociedade que anseia pela apuração dos crimes praticados contra o patrimônio público por usuários de “colarinho branco”.

Por fim, caro leitor, se você ainda não sabe no que essa ladainha enfadonha tem relação com você, imagine que você é abordado por policiais e que dessa abordagem resulte agressão, prisão arbitrária e outros abusos. Você se sentiria à vontade em apresentar notícia sobre esse fato à mesma Polícia a qual pertencem os policiais que feriram seus direitos? Você acha que as testemunhas do fato, sem constrangimento, adentrariam na sede de uma corporação onde os policiais que praticaram o crime trabalham? Essa hipótese extrema, é certo, não é constante, mas ocorre com uma freqüência indesejável.

Com ou sem razão, fato é que uma parcela considerável da população tem mais medo do que confiança na polícia. Daí porque, para aqueles que moram nas periferias das grandes cidades brasileiras, são os crimes decorrentes do abuso e da violência policial que justificam a divisão do poder de investigação com o Ministério Público, a quem o Constituinte reservou não apenas a relevante missão de fiscal da ordem jurídica, mas, especialmente, a promoção dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Pense nisso!

Jornal do Brasil

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