Leia abaixo o artigo da socióloga Ana Liési Thurler sobre atuação da PROFIDE, em comemoração aos 15 anos da Lei da Paternidade (Lei 8.560/92):
PROFIDE: atuação de destaque em 2007
Na busca de dar efetividade à Lei da Paternidade, experiência do MPDFT
é exemplar e inspiradora de iniciativas no país.
Ana Liési Thurler*
O Ministério Público do Distrito Federal, por meio da Promotoria de Justiça de Defesa da Filiação (Profide) vem oferecendo ao país um exemplo do qual podemos nos orgulhar: desde 2002, vem implementando o projeto Pai Legal nas Escolas. Em 16 de agosto de 2007 - ano em que a Lei da Paternidade completou 15 anos - convidou 870 mães para encorajá-las a indicar o nome do pai de suas crianças. Onde reside a importância dessa iniciativa?
Primeiramente, a persistência na implementação do Pai Legal nas Escolas tem mantido na agenda social a questão da paternidade, do não-reconhecimento e disseminado informações sobre a Lei da Paternidade, de 29 de dezembro de 1992, que deu às mães brasileiras o direito de indicar quem é o pai de sua criança, senão no próprio registro, em declaração em separado.
Em segundo lugar, a iniciativa de chamar 870 mulheres-mães que naquela oportunidade lotaram o Auditório do MPDFT foi uma forma de empoderá-las em sua condição de cidadãs. Com esse gesto, o Estado reconheceu o direito dessas mulheres-mães ao exercício da fala. E as ouviu contando sua história e a história de suas crianças. O fortalecimento dessas mulheres é importante, pois mesmo entre aquelas que detêm informações sobre a Lei da Paternidade algumas sofrem ameaças pelo pai para não indicar seu nome e/ou não são suficientemente informadas e encorajadas pelos Cartórios a se valer do direito conferido por essa Lei.
Precisamos considerar, ainda, que essa iniciativa positiva afirma, pública e institucionalmente, o direito de as mulheres-mães brasileiras contarem com o exercício da solidariedade e da generosidade dos homens-pais brasileiros para o acolhimento das crianças que engendraram, o que significa educá-las, alimentá-las, oferecer-lhes a assistência e os cuidados requeridos pela dignidade humana de que todas as crianças são detentoras.
Finalmente, a iniciativa do MPDFT contribui para desnaturalizar o não-reconhecimento da paternidade, prática patriarcal do Brasil arcaico, persistente ainda no século XXI.
O Estado brasileiro está contribuindo, por meio do MPDFT, tanto para transformar a realidade concreta, quanto para promover mudanças no âmbito do simbólico, das representações sociais que ainda povoam o imaginário social, em torno do não reconhecimento paterno, segundo as quais deveríamos aceitar complacentemente esse não reconhecimento, pois se trataria de fato "normal". O não-reconhecimento paterno não é "natural", mas cultural. É um fenômeno social, histórica e juridicamente construído. Não é, pois, o caso de nos encontrarmos diante de alguma fatalidade.
O reconhecimento paterno não é questão opcional. O reconhecimento - que é acolhimento - situa-se no âmbito dos direitos humanos da criança e do adolescente. Uma sociedade democrática não pode aceitar e conviver tranqüilamente com a desigualdade real de tratamento entre crianças nascidas no casamento e fora dele, ainda que em uniões estáveis. Cabe ao Estado republicano investir na universalização de direitos. Neste caso, em estender o direito ao pai a todos os filhos, independente da relação de conjugalidade existente entre seus pais - se casados, em relação transitória, em relação estável.
Espaços de nascimentos no Brasil e limites da Lei da Paternidade
Enfim, o Estado que admite constitucionalmente o direito à igualdade entre todos os filhos, deve assegurar esse direito na vida, repensando a legislação vigente, criando mecanismos para que o direito ao pai não seja privilégio de alguns, pois, em cada três crianças brasileiras, somente uma nasce no interior do casamento, uma nasce em relação estável e uma, em relação eventual.
Programas como o que se desenvolve no DF são importantes. Esbarram, entretanto, nos limites da própria Lei da Paternidade, para eliminar práticas patriarcais seculares de não reconhecimento paterno e as dificuldades para universalizar o direito ao pai, no Brasil. Podemos lembrar que já no início do século XXI, não obstante o trabalho ingente das Promotoras de Justiça Leonora Brandão Pinheiro e Renata Salles Borges, do MPDFT, em Brazlândia, e Hortência Gomes Pinho, do MPBA, em Simões Filho, acompanhado em pesquisa de campo por mim realizada entre 2000 e 2004, em um universo de 2.238 crianças sem reconhecimento, 29% delas conseguiram o reconhecimento paterno. Ou seja, duas crianças em cada três continuaram somente com a filiação materna estabelecida, demonstrando os limites da Lei, face a fortes resistências a mudanças.
Para abolir práticas patriarcais vigentes desde o Brasil colonial, há uma solução, recentemente, adotada pelo Peru. Em 08 de janeiro de 2005 aquele país aprovou a inversão do ônus da prova da paternidade. Em 27 de agosto de 2007, interpelada, a Corte Suprema de Justiça daquele país confirmou a constitucionalidade da lei que regula a paternidade extramatrimonial, destacando como valor constitucional o direito de toda pessoa à identidade.
Assegurar a cidadania das mulheres brasileiras é conferir credibilidade a palavra delas sobre a paternidade de suas crianças. A inversão do ônus da prova da paternidade é um imperativo político, que permitirá promover a igualdade de direitos entre todas as nossas crianças, quanto à filiação paterna, banir uma grave injustiça contra crianças e mulheres brasileiras, aprofundar a democracia e alcançarmos outros padrões civilizatórios.
* Doutora em Sociologia, mestre em Filosofia, professora e pesquisadora da Universidade de Brasília, proponente e coordenadora do projeto Paternidade e Cidadania nas Escolas, parceria UnB/CNTE, em implementação em quarenta pontos no estado do Piauí.