A abertura do II Encontro Nacional do Serviço Social no Ministério Público foi realizada na manhã de hoje com a presença da Procuradora-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios em exercício, Maria Aparecida Donati Barbosa. O evento, que reunirá assistentes sociais de vários estados brasileiros e do Distrito Federal até sexta-feira, teve como tema inicial a necessidade da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade no atendimento à população. Segundo a coordenadora do evento, Karolina Vanessa Varjão, o encontro foi promovido com o objetivo de concretizar os princípios do Código de Ética do Serviço Social. “Temos um compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população.”
Em seu discurso, a Procuradora-Geral ressaltou que são vastas as atribuições do Ministério Público e que, diante das demandas sociais, familiares e de políticas públicas, tornou-se fundamental a assessoria do profissional de serviço social. Para a a troca de experiências, durante o encontro, mostrará de que forma poderão os assistentes sociais colaborar com a missão do Ministério Público. Já o Promotor de Justiça e Assessor de Políticas Institucionais do MPDFT, Dênio Augusto de Oliveira Moura, destacou a importância do trabalho do assistente social junto aos Promotores de Justiça para orientar medidas jurídicas cabíveis, considerando os aspectos sociais envolvidos.
A Presidente do Conselho Federal de Serviço Social, Ivanete Salete Boschetti, ressaltou que o assistente social tem um papel fundamental na elaboração, na construção e na implantação de políticas públicas de defesa dos direitos. “Estamos há 71 anos trabalhando no Brasil, em luta pela inserção de saúde pública, de assistência a pessoas com deficiência, aos idosos, às crianças e adolescentes.”
A ampliação e o fortalecimento da função do assistente social, regulamentada há mais de 50 anos, foi o tema da fala de Fernanda da Silva Fernandes, Presidente do Conselho Regional do Serviço Social. De acordo com ela, este ano, o conselho instituiu uma comissão para discutir estratégias que fortaleçam a atuação profissional: jornada de trabalho, supervisão de estágio, formação profissional, exame de proficiência, dentre outros.
À margem do corpo
A seguir, os participantes assistiram ao documentário À margem do corpo, dirigido pela antropóloga e pesquisadora Débora Diniz. Ele conta a história de Deuseli Vanines que, em 1995, no interior de Goiás, foi vítima de estupro, engravidou e não conseguiu interromper a gravidez, por mais que a Lei lhe assegurasse o direito. A Promotora de Justiça responsável pelo caso, Márcia Souza de Almeida, conseguiu a autorização judicial necessária e procurou inúmeros médicos na busca de alguém que aceitasse realizar o aborto legal. Não obteve sucesso. Todos alegavam ter direito à cláusula de consciência.
Depois do estupro, Deuseli desenvolveu um quadro de epilepsia e desequilíbrio psiquiátrico. Acabou matando a filha de onze meses afogada em uma banheira. Ao mesmo tempo que religiosos diziam tratar-se de possessão demoníaca (versão usada pela advogada que a defendeu), psicólogos e organização de Direitos Humanos defendiam que o quadro era patológico. No cenário de conflito, Deuseli foi julgada e condenada. Na cadeia, teve outro bebê (que foi entregue para adoção). Naquela época, já apresentava um quadro de transtorno mental grave. Durante o quinto mês da terceira gestação, morreu numa UTI hospitalar.
Depois da exibição do documentário, a Promotora de Justiça que atuou no caso apresentou detalhes, lembrando dos momentos em que Deuseli a procurou para pedir ajuda. Para ela, a história da moça parecia ficção, mas acontecia na realidade. Surpreendentemente, a lei que lhe era tão real, tornou-se uma completa ficção. Um médico chegou a sugerir à Promotora que procurasse uma clínica de aborto ilegal porque, daquele jeito (o legal), ninguém aceitaria fazer. “Deuseli sofreu todas as exclusões possíveis: não teve família, foi criada por uma pessoa que bebia e a agredia, fugiu para trabalhar como doméstica. Foi excluída pelo Estado, pela Justiça. Foi excluída por ser negra, por ser pobre”, contou.
O caso de Deuseli alimentou a discussão sobre a necessidade de ter equipes multidisciplinares atuando em um programa bem estruturado de aborto legal nos estados brasileiros. Foi o psicólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Eduardo Vasconcelos, quem continuou o debate, apresentando resultado de pesquisas sobre os conceitos como os de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Também tratou das tensões que surgem quando a equipe é multidisciplinar e os paradigmas das diferentes disciplinas são muito diferentes. Definiu práticas multi, pluri, pluri-auxiliares e interdisciplinares. Também teceu considerações e apontou falhas no caso Deuseli.
Ao final da manhã, os participantes puderam debater com os palestrantes os desafios e dificuldades encontrados pelos profissionais do serviço social. Nesta tarde, haverá mesa redonda sobre “Olhar multidisciplinar sobre o Serviço Social no MP” e palestra sobre “Saber profissional e espaço institucional”, com o professor Vicente de Paula Faleiros.
Serviço
O II Encontro Nacional do Serviço Social no Ministério Público acontece em Brasília, nos dias 28, 29 e 30 de maio. O evento é realizado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e organizado por assistentes sociais que atuam no MPDFT, na Procuradoria-Geral da República e no Ministério Público do Trabalho.