O Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (NED) recorreu de decisão judicial da 6ª Vara Criminal de Brasília que absolveu acusado de racismo. Para expressar sua discordância com o sistema de cotas raciais adotado pela Universidade de Brasília, o réu lançou mensagens no Orkut com termos e afirmações ofensivas contra os negros por três vezes, nos meses de junho e julho de 2005.
O GAECO (grupo de atuação especial do Ministério Público de São Paulo que atua no combate a organizações criminosas) recebeu informações sobre a prática de racismo pela internet e encaminhou o caso para o MPDFT. A denúncia foi ajuizada em setembro de 2005. No ano seguinte, quando o NED recebeu a atribuição de promover e acompanhar as ações penais públicas em caso de racismo, o processo passou a ser acompanhado pelos Promotores de Justiça que atuam no Núcleo.
Após exame psiquiátrico, o réu foi considerado semi-imputável, por sofrer de transtorno de personalidade emocionalmente instável. Os portadores do transtorno conservam o entendimento de seus atos, mas têm a capacidade de determinação diminuída. Nesses casos, a pena privativa de liberdade pode ser reduzida ou substituída por medida de segurança (internação ou tratamento ambulatorial). A substituição da pena por medida de segurança foi a punição requerida pelo Ministério Público na denúncia.
Os defensores do acusado alegaram que o crime em questão não seria racismo, e sim injúria qualificada por racismo, uma vez que o réu não teria desqualificado todas as pessoas negras, mas apenas aquelas beneficiadas pelo sistema de cotas. Para o Ministério Público, não é possível fazer essa dissociação, uma vez que qualquer pessoa negra pode concorrer a uma vaga em universidade pública pelo sistema de cotas. Além disso, as agressões e xingamentos proferidos pelo réu foram indiscriminados.
Na sentença, proferida em julho de 2008, a Juíza da 6ª Vara Criminal alega que a intenção do acusado era se manifestar contra o sistema de cotas, e não contra os negros. Também considera que, devido à imaturidade do réu e ao seu transtorno de personalidade, a conduta foi desprovida de dolo. A Promotora de Justiça do NED Laís Cerqueira Silva argumenta, no recurso, que, ainda que a finalidade do réu fosse apenas protestar contra o sistema de cotas, ele o fez de forma preconceituosa contra os negros. Ela também ressalta que a semi-imputabilidade do réu não exclui o dolo de sua conduta.
O MPDFT requer que o acusado seja condenado nos exatos termos da denúncia, uma vez que a manutenção da sentença proferida pela 6ª Vara Criminal significaria a aceitação de vários outros atos criminosos praticados por pessoas que usam a internet para agredir os negros, muitas vezes sob a proteção do anonimato. “O presente caso deve ser visto como emblemático”, afirma, no recurso, a Promotora. “É preciso desencorajar a escalada da violência.”