“Pra quem não tem vínculo familiar, a rua é a única família. E a falta de acompanhamento da saúde mental aumenta a quantidade de jovens nas ruas com dependências químicas.” A declaração da jovem Daiana Bárbara dos Santos, ex-menina de rua, resumiu o objetivo da audiência pública promovida na tarde da última sexta-feira, no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
A audiência foi realizada para discutir a execução da sentença que condenou o Governo do Distrito Federal a criar e implementar política e serviços de atendimento à saúde mental de crianças e adolescentes. A decisão é resultado de uma ação civil pública ajuizada pelo MPDFT em março de 1997, que teve uma decisão em fevereiro deste ano. Após o descumprimento do prazo de 180 dias estabelecido na sentença para iniciar a criação de programas e reserva de espaços para tratar da saúde mental de jovens no DF, a Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude (PDIJ) passou a fiscalizar o cumprimento da decisão.
O Corregedor-Geral do MPDFT, Victor Fernandes Gonçalves, representando o Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Leonardo Azeredo Bandarra, afirmou que a audiência cria uma parceria importante entre a Instituição e a sociedade e inicia o debate sobre um assunto fundamental para a saúde pública no DF.
Para a Promotora de Justiça Leslie Marques de Carvalho, o objetivo é mostrar o interesse do MPDFT em participar ativamente do cumprimento da sentença. “Vamos fiscalizar o trabalho, mas o diálogo faz parte de todo esse processo”, declarou. Segundo ela, a ausência de uma política pública efetiva de saúde mental é um fator que dificulta o trabalho da Promotoria, pois os jovens atendidos nem sempre são encaminhados às unidades adequadas. “Normalmente o jovem é levado ao Centro de Atendimento Juvenil Especializado (CAJE) como um interno comum, por não existir uma unidade de atendimento correta pra ele”.
A ação ajuizada pelo MPDFT prevê a criação de programas, a disponibilização de espaços adequados para atender os jovens, além de uma equipe capacitada para fazer o atendimento. As únicas unidades existentes no DF, o Centro de Pesquisa, Capacitação e Atenção ao Adolescente e Família (Adolescentro) e o Centro de Orientação Médico Psicopedagógica (COMPP), não atendem a demanda atual por tratamento de saúde mental.
O Setor Psicossocial da PDIJ realizou pesquisa sobre o atendimento prestado atualmente aos jovens em saúde mental. A psicóloga Flávia de Araújo apresentou os dados e mostrou que a verba destinada à área de saúde mental é uma das maiores deficiências no setor. Segundo informações do GDF, a saúde mental recebeu, em 2008, R$4 milhões de orçamento. Apenas 6% desse valor, aproximadamente R$720 mil, foram utilizados. Em 2009, a expectativa é de que o orçamento caia para R$710 mil. “Além da falta de pessoas capacitadas e unidades de atendimento, agora existe outro obstáculo: a verba insuficiente”, afirmou Flávia de Araújo.
O Promotor de Justiça de Defesa da Saúde Jairo Bisol concorda que a verba destinada à saúde mental é pequena. “Temos que colocar a saúde pública em primeiro lugar. O dinheiro gasto com terceirizações pode ser aplicado em atendimentos como esses, fundamentais para os adolescentes”, afirmou. Para Bisol, é clara a necessidade de uma reforma psiquiátrica no sistema de saúde pública do DF.
“A saúde mental é objeto de trabalho em várias áreas do MPDFT e deve entrar em discussão em todos os campos envolvidos para encontrarmos uma solução”, afirmou a Procuradora de Justiça Tânia Marchewka, que acredita, ainda, que a ação civil pública marca o início de uma reflexão coletiva para tratar de um problema social e urgente.
Participaram também da reunião o Coordenador Administrativo em exercício da Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude, Nino Franco, o Promotor de Justiça Anderson Pereira de Andrade, a Subsecretária de Saúde, Tânia Torres Rosa, a Subsecretária de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda, Marta Sales, a Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa, Érika Kokay, o Presidente do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDCA), Fábio Teixeira, e o Conselheiro do Conselho de Saúde do DF Michel Platini.