O Superior Tribunal de Justiça promove significativa mudança de rumos na punição de crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, ao reconhecer que o Ministério Público é parte legítima para propor a ação penal por crime de estupro ou atentado violento ao pudor contra criança ou adolescente, em qualquer hipótese. O acórdão foi publicado no Diário da Justiça Eletrônico na última segunda-feira, 21 de março.
Entenda o caso
Em setembro de 2009 ocorreu julgamento na 1ª Turma Criminal do TJDFT, no qual, sob a relatoria do Desembargador Mario Machado, foi acatada a tese que o MPDFT sustentava, no sentido de que a ação penal nos crimes cometidos contra a liberdade sexual (antes denominados crimes contra os costumes), tendo como vítima criança ou adolescente, era de iniciativa exclusiva do Ministério Público, independentemente da existência de violência real e pouco importando se a vítima era rica ou pobre.
Vale observar que, atualmente, com a vigência da Lei 12.015/09, a questão está devidamente regulada no Código Penal Brasileiro, mas na redação anterior do CPB - ainda aplicável aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor ocorridos antes de 10 de agosto de 2009 (não descobertos ou em apuração) - a ação penal era de iniciativa privativa do ofendido (quando ausente violência real), ou, quando muito, pública condicionada à representação, se a vítima era pobre.
Ao reconhecer que o artigo 225 do CPB não se aplica aos casos de vítimas de crimes contra a liberdade sexual, se menores de 18 anos, o TJDFT afirmou haver um interesse público em punir autores de tais crimes - considerados hediondos - independentemente da vontade ou iniciativa da vítima ou de seus familiares.
Naquela ocasião, a advogada do réu, cujo habeas corpus foi então denegado, impetrou outro habeas corpus perante o STJ, que julgou o pedido. O resultado foi o acolhimento, à unanimidade, pela 5ª Turma (tendo como relator o ministro Napoleão Nunes Maia Filho), dos argumentos sustentados pelo MPDFT e acolhidos pelos Desembargadores da 1ª Turma do TJDFT e pelo representante do Ministério Público Federal que oficiou nos autos.
A partir da decisão, uma quantidade grande de crimes ocorridos no passado - antes de 10 de agosto de 2009 - poderão ser objeto de persecução penal, reduzindo o grau de impunidade nesse tipo de delito, que contava, até essa decisão, com todas as dificuldades inerentes à ação de iniciativa privada ou pública condicionada à representação (prazo decadencial, custos financeiros, desgaste moral, falhas técnicas, etc).
Para o Procurador de Justiça Rogerio Schietti, que atuou no caso perante o TJDFT, "todas as crianças e adolescentes que, pelo entendimento literal do antigo artigo 225 do CPB, ficavam desprotegidas, quando seus representantes legais, por qualquer motivo, decidiam não oferecer representação (ou queixa) contra o autor do crime de estupro ou atentado violento ao pudor, passam a ter a devida e eficiente proteção penal do Estado, não mais dependente de condicionamentos ou a iniciativas dos representantes da vítima". O Procurador elogia a decisão, por seus efeitos jurídico-penais (quer para o Ministério Público, quer, sobretudo, para as vítimas e adolescentes deste país), considerando-a "uma das mais importantes da história do STJ. Espero que ela repercuta em todos os Ministérios Públicos e em todos os tribunais do Brasil", finaliza.
Clique nos links para ler o acórdão do TJDFT, o relatório/voto do STJ e o acórdão do STJ.