“Onde houver homem haverá conflito. São as medidas assimétricas que sustentam a espiral de conflito”. Dessa forma, o juiz Asiel Henique de Sousa reabriu, na tarde desta sexta-feira, dia 4/4, as discussões do “Fórum de Justiça Restaurativa – Sociedade e Justiça em Diálogo” no Núcleo Bandeirante. Segundo ele, a JR atua para desarmar essa espiral. Ele abordou os conceitos, valores e procedimentos desse modelo de resolução de conflitos dentro do sistema jurídico.
O juiz esclareceu que muitas vezes existe a ideia errônea de que o modelo restaurativo é despenalizador. Segundo ele, a JR propõe que os transgressores sejam punidos, mas também contempla vítima e comunidade afetadas. Ele citou os valores que norteiam essa prática: voluntariedade, confidencialidade, neutralidade, processo dialógico e empoderamento das partes. “Não há cátedra, autoridade ou rito legal: todos estão no mesmo patamar. O mediador deve fazer todo esforço para corrigir as assimetrias de poder”, enfatizou.
Indisponibilidade da ação penal
A promotora de Justiça Kédyma Cristiane Silva falou sobre o dilema da indisponibilidade da ação penal, que aflige os operadores do Direito e, especialmente, o Ministério Público como órgão titular dessa ação. Segundo ela, o ideal seria que houvesse um marco legal que autorizasse o MP a abrir mão da ação penal quando entendesse que essa não é a melhor resposta no caso concreto ou na falta de interesse público.
Segundo Kédyma, no cenário europeu isso já é uma realidade desde a década de 70, sobretudo na Alemanha, Itália e Espanha. Ela lembrou que essa questão também tem sido debatida na América Latina: os novos Códigos Penais chilenos e peruanos reconhecem a necessidade de racionalizar a regra da indisponibilidade da ação penal, com a inserção do princípio da oportunidade. “É triste que haja uma resistência tão forte em nosso País. Isso se insere numa cultura de lei e ordem e de endurecimento do sistema penal, com ênfase no maior rigor na punição e no castigo”, lamentou a promotora de Justiça.
Ela ressaltou, ainda, que existe uma demanda por solução de conflitos e medidas restaurativas que extrapolam o processo. De acordo com a promotora de Justiça, a condenação não redunda na solução de um problema trazido pelas partes. “É o que demonstra a nossa experiência no cotidiano. Isso gera uma frustração muito grande. Muitas vezes estamos atrelados a um sistema de Justiça rígido e engessado. Se o objetivo é reparar a vitima pelo dano sofrido, a prisão não atinge esse objetivo”, completou.
Para o defensor público João Marcelo Feitosa, o sistema penal não atende, efetivamente, a demanda de justiça. “O modelo restaurativo até pouco tempo nem era tratado nas faculdades de Direito, por isso a cultura do litígio”, completou. Segundo ele, a legislação também engessa o trabalho da Defensoria Pública, como citado pela promotora de Justiça Kédyma. “Às vezes, a gente entende que não vale a pena apelar, mas temos de fazê-lo. O próprio sistema impede a composição entre as partes do conflito. No processo penal, a vítima sequer é chamada para tentar algum tipo de ajuste”, disse.
A dinâmica da mediação
A mediadora Maria Helena Costa, da equipe técnica do Programa Justiça Restaurativa do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), explicou que a JR é um processo que envolve todos os interessados em uma ofensa a fim de promover o restabelecimento das pessoas (Zehr, 2012). Além do DF, Minas Gerais, Bahia, São Paulo e Pernambuco já adotam a prática.
“A Justiça Restaurativa é uma forma de respeito, de considerar as diferenças, de respeitar a individualidade e de tratar com consideração o contexto com que cada um está inserido”, completou. Ela ressaltou que nesse modelo cada um fala e escuta. Não é preciso concordar com outro, mas sim ouvi-lo. Segundo a mediadora, muitas vezes o que o ofendido quer é apenas um pedido sincero de desculpa. “Como saber se é sincero? Quando o acordo se sustenta. A gente acompanha por meses e percebe que deu certo”, concluiu.
Simulação
No encerramento do evento, foi realizada uma simulação de mediação vítima-ofensor com crime de médio potencial ofensivo. A atuação contou com um mediador, um infrator, uma vítima, um apoiador do infrator e um da vitima e os advogados das partes.
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