Especialistas de diferentes áreas se reuniram no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), entre os dias 17 e 19 de setembro, para participar do simpósio O desafio do planejamento urbano e a sustentabilidade no Distrito Federal, organizado pela Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) em parceria com a Comissão de Aperfeiçoamento de Membros (CAM), do MPDFT. O evento pretendia debater a importância do planejamento urbano para o cumprimento das funções sociais da cidade e a preservação do meio ambiente.
A primeira manhã do evento foi aberta pelo doutor em Ecologia Genebaldo Freire Dias, que propôs uma simulação da forma como os seres humanos do ano 2100 perceberão as mudanças pelas quais o meio ambiente está passando no início do século XXI. Nesse exercício, as pessoas do futuro terão percebido que seus antepassados erraram no modelo de educação proposto aos mais jovens. "A centralidade da informação, no lugar dos valores, criou um modelo contrário à vida", defendeu Dias. A solução para a grave crise ambiental que se instalou em nosso planeta só veio depois do que o especialista chamou de "o grande despertar". Quando as dificuldades pareciam grandes demais para serem vencidas, o ser humano iniciou uma reforma interior, que o levou à compreensão de que a vida só é possível dentro de paradigmas que respeitem o meio ambiente.
O professor Frederico Fósculo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), proferiu a palestra Lei de uso e ocupação do solo (LUOS) e sustentabilidade no Distrito Federal. Em sua fala, ele criticou a falta de índices de qualidade de vida na lei. "Apenas índices imobiliários são contemplados", disse. Para o especialista, é significativo o fato de a LUOS citar a expressão "área pública" 11 vezes, mas nenhuma delas referir-se a recuperação, revitalização ou restituição. O professor também observou que a lei diz respeito apenas aos terrenos pertencentes à Terracap, o que exclui parte importante das terras do Distrito Federal.
A mobilidade urbana foi o tema da fala do professor Benny Schvarsberg, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB). Ele enumerou os desafios que devem ser enfrentados pela gestão da mobilidade urbana no Distrito Federal: a dificuldade de integração tarifária e de operação, a desarticulação entre o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) e o Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU) e o padrão de deslocamento pendular. Há, segundo o professor, uma incapacidade histórica de integrar as políticas territoriais entre si. "Esse é o resultado de uma leitura fragmentada do território", avaliou o especialista.
Urbanismo, direitos humanos e violência
No período da tarde, a primeira palestra foi proferida pelo coordenador do Núcleo de Direitos Humanos do MPDFT, o promotor de Justiça Thiago Pierobom. Ele dividiu sua palestra Ordem Urbanística e Direitos Humanos em três temas. O primeiro foi o direito à moradia digna, que é uma garantia constitucional. Pierobom destacou a importância de se pensar o urbanismo para todas as classes sociais. O segundo tópico foi a proteção dos direitos humanos das pessoas em situação de rua e a importância das políticas habitacionais de inclusão, cujo principal desafio, na perspectiva urbanística, é fazer a integração entre os locais de trabalho e a habitação. Desocupações forçadas foi o último tema debatido. O promotor destacou a relevância do planejamento nessas ações, pois a realização de desocupações sem se considerar as pessoas pode gerar novas violações de direitos humanos. Ao final, o promotor de Justiça Thiago Pierobom deixou uma reflexão: "Uma sociedade que não se funda na solidariedade e na inclusão não pode ser reconhecida como verdadeiramente legítima. Se deixarmos de reconhecer a humanidade do nosso próximo, corremos o risco de perder a nossa própria humanidade".
A segunda palestra foi proferida pelo juiz Paulo Carmona, do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT). Ele discutiu a relação entre violência e espaço urbano. Em sua explanação, o juiz informou que não existe uma relação direta entre pobreza e violência. "É um certo preconceito pensar que o pobre é o maior responsável pelos números da violência no país. Basta lembrar os danos causados pelos criminosos do colarinho branco." Carmona também citou a pesquisa realizada na Colômbia, em 2009, sobre como aquele país conseguiu diminuir drasticamente a violência com o uso de intervenções sociais e, entre elas, a intervenção urbanística nos espaços públicos.
O promotor de Justiça Bruno Amaral Machado ministrou a última palestra do dia: Violência e Justiça Criminal: Homicídios na Região Metropolitana do DF. Ele apresentou uma pesquisa sobre o tema com dados importantes para a discussão. O DF, comparativamente aos estados, tem apresentado uma taxa de elucidação alta. No entorno, a realidade é diferente: Luziânia é a única cidade da região que conta com uma delegacia especializada em homicídios. Amaral enfatizou a importância da articulação entre as diversas áreas de atuação do Ministério Público. "Os homicídios mais violentos estão concentrados nas regiões com piores estruturas urbanas, onde não se vê intervenção do poder público".
Planejamento urbano, uso da água e loteamentos fechados
A última manhã do evento teve início com a palestra Recursos hídricos e expansão urbana, proferida pelo promotor de Justiça Paulo José Leite Farias. Em sua fala, ele enfatizou a relação entre a disponibilidade de água e a qualidade de vida no planeta. A ocupação de áreas urbanas, portanto, deve levar em conta a existência de recursos hídricos. O promotor citou a criação do setor Noroeste e do setor habitacional Tororó como exemplos de adensamentos populacionais que podem ter sérios impactos na disponibilidade hídrica do Distrito Federal. "Não há meios caminhos: a urbanização sem planejamento destrói a possibilidade de uso adequado da água", concluiu.
O promotor de Justiça Dênio Augusto de Oliveira Moura encerrou o simpósio com a palestra Loteamentos fechados no Distrito Federal. Para ele, a procura por condomínios fechados demonstra a desconfiança em relação à capacidade do poder público de fazer frente à violência e de oferecer serviços de qualidade. "É preciso, no entanto, analisar a viabilidade e a sustentabilidade desse modelo", advertiu. Segundo Moura, diversas perspectivas devem ser levadas em conta no debate sobre os loteamentos fechados: urbanística, ambiental, social, de mobilidade urbana, de defesa civil e de garantia de direitos fundamentais. "Não podemos nos limitar a discutir esse modelo de desenvolvimento urbano sob o viés da segurança, até porque a segregação social e a redução de espaços públicos de convívio que ele proporciona podem gerar mais violência", afirmou o promotor.