A criação do Instituto Hospital de Base, nos moldes da Associação das Pioneiras Sociais (Rede Sarah), e a transparência e seletividade do atendimento prestado por essa entidade foram discutidas em reunião realizada na última quinta-feira, 20 de abril. Estiveram presentes a promotora de Justiça de Defesa da Saúde Marisa Isar, a procuradora da República Eliana Rocha e a auditora de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU) e também presidente da Associação Aud-TCU Lucieni Pereira. No encontro, questionaram a restritiva seleção de pacientes feita pelo Hospital Sarah para prestação de serviços de saúde, a transparência nos critérios de escolha dos pacientes a serem atendidos e a prestação de contas dos recursos públicos repassados pelo Ministério da Saúde.
Em 24 de março de 2017, a Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF), após receber representação encaminhada pela Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus), abriu inquérito civil público para fiscalizar denúncias de negativa de atendimentos a vítimas de acidentes automobilísticos e traumas por armas de fogo com lesão medular e cerebral, em sua maioria da rede pública de saúde do Distrito Federal, em razão dos critérios restritivos de admissão na Rede Sarah. O procedimento apura o respeito aos princípios da impessoalidade, da transparência, da eficiência, da universalidade e da economicidade no uso dos recursos públicos repassados pela União Federal.
Hospital de Base
Um dos fundamentos utilizados pelo secretário de Saúde, Humberto Fonseca, para justificar a adoção do modelo de gestão da Rede Sarah no HBDF é a ideia de que o Hospital de Base consome 76% de seu orçamento com despesas de pessoal, sugerindo que este montante seria exorbitante. No entanto, segundo informações da presidente da Aud-TCU, a rede Sarah, apresentada como paradigma para a mudança na natureza do HBDF, consome 82% de seus recursos com pessoal, o que, afirma Lucieni Pereira, é natural, pois, na área de saúde, a força de trabalho é o elemento vital para a prestação do serviço.
Segundo Lucieni Pereira, transformar o HBDF em instituto nos moldes da Rede Sarah significa que o maior hospital público do Distrito Federal não mais integrará a administração pública. “Se o HBDF não vai integrar mais o orçamento público, suas despesas de pessoal não serão mais computadas dentro do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. Os salários dos servidores do HBDF passariam então a concorrer com o pagamento da dívida pública e de juros, com gastos com investimentos e com outras despesas de custeio. Essa é a razão da crise do Estado do Rio de Janeiro, que não tem dinheiro para pagar os terceirizados nas áreas de educação e saúde, exatamente porque se valeu desse modelo para abrir espaço fiscal para outras categorias profissionais e para aumentar salários de profissionais de áreas que não são essenciais”, explica.
De acordo com a promotora de Justiça Marisa Isar, se o HBDF for retirado da administração pública, os atendimentos de alta complexidade serão prestados exclusivamente por uma entidade privada, e não de forma complementar, como determina a Constituição Federal. "Esse arranjo, ao meu ver, constitui uma burla à Lei de Responsabilidade Fiscal, à regra de acesso ao cargo público mediante concurso público e ao artigo 199 da Constituição Federal".
Em 7 de abril, foi expedido ofício pelo MPDFT e pelo Ministério Público de Contas (MPC) ao governador, Rodrigo Rollemberg, e ao secretário de Saúde. As instituições requisitam os estudos feitos pela Secretaria de Saúde que concluíram que o modelo adotado pela Rede Sarah traria maior qualidade e oferta de serviços de saúde aos usuários do HBDF. Ainda não houve resposta, embora o prazo de 10 dias tenha se esgotado.
“As decisões dos gestores públicos, principalmente na área da saúde, devem ser embasadas em estudos aprofundados para que não se façam escolhas aventureiras e sem respaldo técnico, que podem agravar o caos já instalado na saúde pública. Por isso, o Ministério Público aguarda esses documentos ainda não divulgados para a sociedade e para os órgãos de fiscalização, por razões que se desconhece", afirma Marisa Isar.
Relevância social
O HBDF é o único hospital terciário do Distrito Federal. Foi fundado no ano da inauguração de Brasília e é referência na cidade, no entorno e em estados vizinhos no atendimento de traumas, em especial na área de neurotrauma. É o único que atende na área de neurocirurgia e nas emergências neurológicas, incluindo casos de acidente vascular cerebral, além das áreas de urologia, cirurgia vascular periférica, cirurgia de cabeça e pescoço, neurologia em esquema de pronto atendimento, oncologia e cirurgia pediátrica do trauma. Os critérios de atendimento do HBDF não excluem pacientes, ao contrário da Rede Sarah, que não atende emergências e seleciona aqueles que serão atendidos em ambulatório de forma bastante restritiva, especialmente pacientes com algum tipo de infecção ou prognóstico menos favorável.
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