Cor, cor, cor, preto...
A cor é uma percepção visual, a parte da luz que reflete nos objetos entra pela nossa retina e nos mostra verdadeiras maravilhas. Por toda nossa história, artistas se aproveitaram de seus tons para criar suas formas e figuras, mas em um determinado momento, não era o que estava sendo retratado que sobressaía, e sim, a cor. Assim, surgiram os primeiros coloristas.
No Brasil, tivemos importantes coloristas, entre eles se destacam Alfredo Volpi, Tarsila do Amaral e Eduardo Sued. Para os dois primeiros, a cor e a figura andavam juntas, dividindo a importância. Já Sued, desconsidera totalmente a figura e foca sua atenção exclusivamente na cor. Segundo o artista:
“A cor é elemento formativo, fundamental na minha obra. Nosso Brasil é o país das luzes e isso me remete a considerações anteriores aos eventos da modernidade, quando a pintura era dócil reflexo da natureza. Cada região tem sua luminosidade. Sabe-se que a luz nos é dada pelas cores; através delas falaríamos então das luminosidades de São Paulo, Veneza, Madri, Nice... não se poderia entender que a luminosidade do Norte do Brasil, por exemplo, fosse interpretada por cores sombrias.”
Hoje, com 91 anos, Eduardo Sued começou a se dedicar à arte em 1948 quando abandonou a faculdade de engenharia. Dois anos depois, começa a trabalhar como desenhista no escritório de Oscar Niemeyer e após juntar algum dinheiro vai para Paris estudar arte nas academias La Grande Chaumière e Julian. Quando volta para o Rio de Janeiro em 1953, começa a frequentar o ateliê de Iberê Camargo para estudar gravura em metal, tornando-se mais tarde, seu assistente. Em 1957, começa a ministrar aulas de desenho, pintura e gravura, na Faap, em SP.
Em um determinado momento sua carreira transita pelo figurativismo, mas logo se encaminha para as vertentes construtivas, desenvolvendo sua obra a partir da reflexão acerca de Piet Mondrian (1872 – 1944).
Para o construtivismo, a pintura e a escultura são pensadas como construções e não como representações, seus trabalhos são formados por formas geométricas, guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos.
Embora haja alguma semelhança entre a pintura de Sued e Mondrian, o artista holandês se restringia as cores primárias (vermelho, azul e amarelo) que interagem com espaços brancos, cinzas e faixas pretas. Já o brasileiro, intencionalmente, quebra a restrição cromática de Mondrian e de uma forma corajosa se expõe à árdua tarefa de encontrar o equilíbrio em uma paleta de cores muito mais vasta, que abrange o verde, roxo, rosa, entre outras. Mas o artista não para aí, o preto passa a ser tratado com uma cor que não se limita ao confinamento de faixas e é usado para dar volume à obra.
O preto, ao longo da história da arte, foi inicialmente associado à sombra e à escuridão. A partir de meados do século XIX, começa a ser usado como uma cor, como outra qualquer. Em alguns casos, em vez de ser um tom que cria o escuro, ele produz luminosidade.
Em sua tese de doutorado, a Dra. Marcela Rangel, relata que Eduardo Sued transforma a tinta preta em campos cromáticos. Ele costuma diferenciar a cor preta da cor negra. Diz que o preto torna-se negro à medida que a escuridão e a intensidade vão se apossando dele. Para Sued, o preto permite o passeio apenas em sua superfície, enquanto, no negro, há profundidade. "Há noites pretas e noites negras!" afirma o artista.
Explorando ainda mais as cores escuras, Sued começa a usar tinta esmalte, que em uma superfície lisa começa a refletir tudo que se encontra em frente à obra. Surgem os Espelhos Negros. A tridimensionalidade do ambiente ao ser refletida na obra, cria uma nova profundidade para dentro do quadro.
Apesar de sua idade, Sued apresenta uma grande energia e sempre muita simpatia, esse estado emocional pode influenciar a cor predominante de uma obra, mas todo o resto é feito após muita análise de quais outras cores e formas gerarão uma tela totalmente equilibrada, com isso, suas telas traduzem mais suas reflexões a respeito da arte e das cores do que seu sentimento em relação ao mundo.
Com mais de 60 anos de produção, Eduardo Sued não paralisou sua linguagem em estruturas preconcebidas. "Experimentar é aceitar o desafio da dúvida. Sou pintor enquanto artista que experimenta", disse Sued. Segundo o crítico de arte Ronaldo Brito, tal exercício se expressa numa trajetória que reinventa constantemente seus desafios e soluções. Destacam-se, no conjunto dessa obra, as telas, desenvolvidas desde os anos 80, de vastas áreas cinzas ou pretas, entremeadas de modo preciso por faixas coloridas num jogo sóbrio, mas, vibrante de expansão e contenção. Em meados dos anos 90, Sued introduz elementos novos em seu trabalho, como a tinta de alumínio e pinceladas espessas e descontínuas, de modo que a superfície pareça “quase esculpida”, além de retornar à colagem, presente nos anos 60 e 70. Tais composições apresentam uma reflexão acurada sobre as relações entre luz, superfície, espaço e tempo na pintura, reafirmando mais uma vez a posição do artista como um constante “desinibidor” na arte brasileira.
Em um determinado momento, o artista entende que a profundidade conquistada com o negro não bastaria e começa a usar materiais para conquistar uma diferente perspectiva. Seus trabalhos começam a ter volume, além do obtido somente com a tinta. Para isso ele usa recortes de madeira que saem das telas. Esses elementos escondem cores que somente são reveladas quando o trabalho é visto lateralmente. Há também objetos totalmente feitos de madeira, que de uma forma mais direta demonstra a intenção do artista de alterar a leitura da obra, dependendo do ângulo de observação.
Outros materiais também são usados, como o ferro para desenvolver esculturas de parede e o acrílico para esculturas de chão. No intuito de continuar reinventado suas cores, também usa tecidos sobrepostos que são colados em um objeto preso à parede e escorrem por alguns metros até o chão, formando um acúmulo de cores na base da obra.
Em 2007, Sued fez uma série de colagens, são pedaços de papel recortados, pintados e colados um sobre o outro. Segundo o artista, esse trabalho remete ao universo cromático de Matisse:
“Os blocos de cor ainda são muito característicos do meu trabalho. Há uma presença forte de Matisse, um dos artistas que mais admiro, no sentido cromático, mas também há o construtivismo, com referência a outros mestres como Picasso e Mondrian. Sou um construtivista, mas que trabalha com o oposto: a construção supõe a desconstrução. E nessas idas e vindas, construo desconstruindo.”
Seu primeiro ateliê foi na Rua Gomes Carneiro, em Ipanema, em cima de um tradicional restaurante russo, mas hoje, Sued trabalha em um lindo e amplo ateliê situado em um condomínio que fica na estrada antiga para Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Uma abundante vegetação circunda o local, muitas orquídeas nas árvores, o que propicia muitas cores o ano inteiro. A luz do dia entra facilmente no local permitido se ver as reais cores das telas. Esse cantinho que até parece um pedaço de mata atlântica, por ser longe do centro da cidade, trás muito sossego e paz.
Independente da idade, Sued está sempre em seu ateliê. Todos os dias, ele enfrenta o trânsito estressante do Rio de Janeiro para trabalhar, criar, e, sobretudo, porque ainda tem muito prazer em fazê-los.
Texto para a revista GPS Brasília.
Colagem de papel, sobre papel |
Exposição no Espaço Maria Antônia, São Paulo, 2010 |
Tinta óleo e acrílico sobre tela |
Ateliê do artista |