Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Julián Marías escreveu que “épocas inteiras” sofreram com “uma angustiante escassez de informações” e, hoje, ocorre o contrário: “o obstáculo é muitas vezes o excesso de informações e notícias”. Essas palavras foram produzidas em 2000, quando já existia a internet. Mas o Professor Marías ilustrou seu raciocínio com livros e artigos sobre a segunda guerra mundial, a guerra civil espanhola, biologia celular e cartografia! Mal sabia ele que proliferariam redes sociais e canais de vídeo com indivíduos perorando sobre direito e política, forjando alto nível de conhecimento e fortes doses de indignação.
A expertise de muitos deles não foi engendrada em anos e anos de estudos e sólida experiência, e sim deglutida na última vigília. Sem instrução formal e nenhum traço translúcido de autodidatismo, põem-se a emitir pareceres, numa encenação em que ademanes, esgares e prosódia importam mais do que o conteúdo propriamente dito. Dizem que estão perfeitamente à vontade para “debater” com qualquer um, e guardam na algibeira o insulto do “idiota” como a ultima ratio regum.
Vamos lembrar do processo do “mensalão”, do STF. Para se firmar opinião sobre sua qualidade, não basta ler o acórdão de cabo a rabo. Isso já não é tarefa fácil, mas ainda é insuficiente para profissionais e historiadores. É muito necessário analisar os autos, apreciar depoimentos, confrontá-los uns com os outros e com laudos periciais, e assim por diante. Apenas conhecer os votos dos ministros é saber como eles expressaram sua compreensão da prova, ou seja, como articularam as próprias convicções. Pseudo-entendidos se contentam com trechos que viram à socapa em matérias de jornal ou em outros leigos, em uma cartografia jurídica que tem clarões em excesso, e a banal vantagem de ser de manuseio leve e confortável.
Jornal de Brasília - 27/6/2018
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