Leonardo Roscoe Bessa
Procurador-geral de Justiça do DF e Territórios
“Todos somos consumidores” é como John F. Kennedy inicia sua mensagem especial dirigida ao Congresso norte-americano, em 15 de março de 1962. A frase ganhou notoriedade décadas depois. A data serviu como inspiração para Organização das Nações Unidas (ONU) instituir o Dia Mundial do Consumidor.
Do toque matinal do despertador até os últimos minutos da noite, realizamos, mesmo sem notar, inúmeros atos de consumo. Exercitamos a condição de consumidor ao longo do dia: compra do pão na padaria, transporte coletivo ou individual, consumo de água, energia elétrica, telefonia, abastecimento do veículo, serviços de acesso à internet, uso de smartphone e suas funcionalidades, serviços bancários, compras no supermercado etc.
É possível contar e concluir que, num único dia, exercemos direitos como consumidores, no mínimo, em dez ocasiões diferentes. Multiplique-se o número por 100 milhões – aproximadamente metade da população brasileira – e chega-se a um bilhão de atos de consumo por dia no Brasil.
Kennedy estava certo e, com o correr dos anos, sua assertiva ganha dimensão diferenciada num mundo cada vez mais capitalista e consumista. Os conflitos com os fornecedores são inevitáveis e frequentes. Ainda que pequeno percentual do número de lesões chegue ao Poder Judiciário é inevitável haver grande demanda e exigência de profissionais do direito para lidar com a área. Os números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicam que o tema direito do consumidor está entre os mais demandados na Justiça Estadual.
O último relatório Justiça em Números 2017 do CNJ aponta o direito do consumidor como o segundo tema mais questionado na Justiça Estadual e o primeiro nos Juizados Especiais dos estados. Em contraste, a disciplina direito do consumidor, apenas em minoria das faculdades de direito, é matéria obrigatória.
O Ministério da Educação ainda não percebeu a importância de oferecer a disciplina direito do consumidor nas grades curriculares. Ignora as estatísticas do CNJ: matéria não está entre as disciplinas obrigatórias indicadas pelo MEC.
Se é possível afirmar que um dos objetivos das faculdades de direito é preparar o estudante para a vida real, é necessário – fundamental – diminuir a distancia entre as diretrizes curriculares nacionais do curso de Direito e as habilidades exigidas pelo mercado.
A Lei 9.131/1995 dispõe que incumbe à Câmara de Educação Superior a análise e decisão referente às diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e Desporto, para os cursos de graduação. No uso de tal atribuição, foi editada, em 29 de setembro de 2004, a Resolução nº 9, pela Câmara de Educação Superior do Ministério da Educação. Foram estabelecidos os seguintes eixos de formação: 1) Eixo de formação fundamental; 2) Eixo de formação profissional; 3) Eixo de formação prática.
O Eixo de formação profissional é justamente o que abrange enfoque dogmático obrigatório dos diversos ramos do direito “e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais”. São considerados conteúdo essenciais e obrigatórios: direito constitucional, direito administrativo, direito tributário, direito penal, direito civil, direito empresarial, direito do trabalho, direito internacional e direito processual.” A disciplina direito do consumidor, como se observa, não integra o conteúdo obrigatório dos cursos do direito.
De outro lado, poucas faculdades, no espaço de liberdade que possuem na definição da grade curricular, dão relevância adequada à disciplina. Em muitos estabelecimentos, apesar da eloquência dos números divulgados pelos CNJ e a maioridade do Código de Defesa do Consumidor, ela é simplesmente ignorada.
É verdade que o curso de graduação deve preparar o aluno mais para conhecer o método de resolução de questões jurídicas do que ter contato com absolutamente todas as áreas do Direito. Nesse raciocínio, o conhecimento abrangente dos ramos não seria necessário nem tão importante. Todavia, na definição das disciplinas obrigatórias não se deve desconsiderar as modificações e dinâmicas do mundo real. Não dá para conceber cursos jurídicos, que, em dissintonia com a realidade, simplesmente não percebem a dimensão do consumo e do direito do consumidor no terceiro milênio.
Correio Braziliense - 13/8/2018
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