Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Quando o “operador do direito” (que é o profissional da área legal, por exemplo, advogado, delegado, juiz etc.) está diante do desafio de interpretar uma regra, ele pode fazê-lo de maneiras diferentes e até opostas, dependendo dos seus objetivos.
A primeira dessas maneiras é a que chamarei de “natural”, que é a que extrai conteúdo o mais próximo possível do mundo comum, ou seja, que busca compreender que palavras se referem a coisas do conhecimento geral. Uma árvore é uma árvore. Um rato é um rato. Uma casa é uma casa.
No entanto, se a ideia de árvore pode ser acessada pela via da intuição, como a noção do tempo de Agostinho – si nemo ex me quaerat, scio; si quaerente explicarem velim, nescio! -, pode também ser surpreendentemente problematizada. Todo vegetal é uma árvore? Toda planta é uma árvore? Um arbusto é uma árvore? Será necessária a opinião especializada de um biólogo ou de um botânico, ou o operador do direito dá conta de definir se um lenhador cometeu o crime previsto no artigo 39 da Lei 9.605/98? Essa é uma investigação de ordem metafísica. Tem gente que acha que “metafísica” diz respeito a entes espirituais e fantasmagóricos. Não tem nada a ver. Metafísica é o campo filosófico de pesquisa da pergunta “o que é?”. Quid ergo est tempus?, indagou o santo de Hippona.
A hermenêutica jurídica literal, dicionarizada, para não dizer atravessada por uma rápida e inconfessável pesquisa no Google, parece pobre. Não tem o toque meio esotérico que os juristas gostam de forjar, como se sua atividade fosse um círculo de iniciados. O território da interpretação que chamarei de “criativa” inventa coisas que não existem e, dentre as que existem, distorce-se à vontade. Ela sim degrada a relação ontognoseológica entre homem e lei. Ela sim é “metafísica” no sentido fantasmagórico.
Jornal de Brasília - 29/8/2018
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