Promotora de Justiça do MPDFT
A administração do público como o privado pode ser algo nem tão nefasto assim, desde que levada a um outro patamar de compreensão e de ação. A questão é que, em verdade, o problema não é tratar o público como se fosse coisa própria, mas como coisa de ninguém. E se os governantes administrassem as empresas públicas como seus próprios negócios? Se buscassem a máxima eficiência, para aumentar seus lucros, com a satisfação dos usuários dos serviços e dos acionistas? Para isso, certamente, escolheriam os ocupantes das funções estratégicas da estatal entre os profissionais mais competentes, como o fariam para as suas próprias empresas.
Mas como alcançaremos essa forma de gestão pública? É de se esperar uma evolução da consciência política, não só dos gestores, mas também dos cidadãos, para participar da coisa pública como patrimônio de todos. Certamente, a mudança cultural é necessária e perpassa por diversos fatores, especialmente por uma educação libertária, que forme indivíduos dotados de espírito crítico e de senso de responsabilidade política. Mas vale registrar que, conquanto uma nova concepção política seja esperada, ainda assim o melhor comportamento humano pode não ser praticado espontaneamente, ou seja, as pessoas nem sempre fazem o certo porque é o certo. É aí que entra o direito, para regular os comportamentos humanos por meio de incentivos (normalmente uma sanção, na hipótese de descumprimento da norma jurídica).
O direito, recentemente, tem se preocupado com a gestão das empresas estatais. Critérios extremamente abertos, vigentes no direito administrativo para subsidiar as designações para cargos públicos de livre nomeação, não vinham se mostrando suficientes para incentivar a nomeação dos melhores profissionais. Nesse contexto, foi sancionada a Lei nº 13.303/2016, conhecida como a Lei das Estatais, com o objetivo de implantar mecanismos de governança, entre eles, a definição de requisitos mínimos para a nomeação dos dirigentes e dos integrantes do conselho de administração.
De fato, a lei estabelece que a escolha desses profissionais deve recair sobre cidadãos que, além de ostentarem reputação ilibada e notório conhecimento, atendam a requisitos como: ter formação acadêmica compatível com o cargo, comprovar tempo mínimo de experiência profissional e não serem inelegíveis. De mais relevante, impede-se a nomeação de pessoas com vinculações políticas, como ocupantes de determinados cargos políticos e aqueles que atuaram na estrutura decisória de partido político ou vinculados à campanha eleitoral. A finalidade é garantir a escolha dos dirigentes com base em critérios técnicos, ainda que mínimos, reduzindo-se, assim, o loteamento das funções dentre os apoiadores da campanha eleitoral e integrantes da base aliada do governo.
O regime inaugurado pela Lei das Estatais é inovador na cena pública nacional e, como tal, enfrenta dificuldades relacionadas não só à resistência ao novo, mas também ao próprio desconhecimento quanto ao teor e ao alcance de suas normas. Nesse contexto, considerando a chegada de uma nova gestão, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) expediu recomendação ao governador eleito do Distrito Federal, para que sejam observadas as limitações impostas pela Lei para a nomeação para cargos de direção das estatais distritais. Espera-se, assim, que as designações para as funções estratégicas das estatais sejam decididas com base nas competências pessoais dos profissionais, porque o apadrinhamento de cargos públicos não repercute na dimensão das coisas de ninguém, mas atinge diretamente o bolso de cada um de nós.
Correio Braziliense - 6/1/2019
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