Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

O sujeito diz: “eu trabalho dois dias da semana em casa”. Essas palavras juntas (um pronome, um verbo, um numeral, três substantivos, uma preposição e uma contração entre uma preposição e um artigo) criam uma sentença que, aos ouvidos do interlocutor, pode gerar interpretações diferentes: ou se disse mais ou menos do que efetivamente se chegou a dizer.

Ou seja, ele informou que trabalha apenas -- e este advérbio, “apenas”, está oculto na frase e surge forte na cabeça no interlocutor – dois dias, e “em casa” é o termo fraco da oração. Reformulando, seria assim: “eu só trabalho dois dias da semana e, quando trabalho, trabalho em casa” (um pronome, dois advérbios, um numeral, três substantivos, uma conjunção, uma conjunção adverbial e um verbo, repetido três vezes; o “quando trabalho” pode ser substituído pela expressão “mesmo assim”). Com os recursos da linguagem escrita, uma vírgula antes do “em casa” ou caixa alta no “dois dias” reforçaria tal compreensão extraída da sentença original.

Outra hipótese é se captar a frase como menos palavrosa do que o móvel que inspirou sua produção. Deste modo: “eu trabalho três dias no trabalho e dois em casa” (um pronome, um verbo, dois numerais, dois substantivos, uma preposição e uma contração entre uma preposição e um artigo).

As construções são bem diferentes entre si, nos sentidos intelectual e moral. Como as palavras voam! Como elas têm uma ambiguidade natural, que é galvanizada quando agrupadas em frases, e mais ainda, no seio do contexto em que são lançadas (em um interrogatório policial ou numa conversa despretensiosa entre colegas de repartição?) e da prosódia empregada. Da parte do ouvinte, tudo dependerá de sua disposição em ser rigoroso com os dados obtidos si et in quantum e malicioso ou generoso para com seu fornecedor.

Jornal de Brasília - 9/1/2019

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