Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

Pelos idos do ano de 1960, na cidade de Londres, um rapaz de 22 anos chamado James Paul sonhou com uma música e, quando acordou, sentou-se ao piano que ficava no seu quarto e a tocou. Tocou todinha, numa lapada só, sem emendas nem revisões, ela estava completamente pronta. Tão completamente pronta que ele ficou cismado que a autoria não era sua, mas que se tratava de composição alheia, que ouvira em algum lugar e ficara registrada em sua cabeça.

Como o rapaz não conseguia se lembrar que canção, afinal, era aquela, ele passou a mostrá-la para um monte de gente do meio musical. Você conhece isto aqui? E nada. Ninguém tinha ouvido antes. Então ele se convenceu que era sua mesmo, não um plágio involuntário.

Mas aí ele teve que enfrentar outro problema. A melodia não precisava de retoques, mas a canção não tinha letra. Para que pudesse ensaiá-la, colocou provisoriamente o título e a frase inicial de “Scrambled eggs” (que, numa tradução livre, significa: “ovos mexidos”). Depois evoluiu para a versão final “Yesterday” (tradução livre: “ontem”) e entrou para o Livro dos Recordes como a mais tocada em rádios e gravada por outros artistas.

Veja que, dentro da mesmíssima obra, o criador teve uma grande facilidade (a melodia) e uma dificuldade (as letras). Uma melodia é composta de uma nota, depois outra, juntas ou separadas (acordes), depois outra, depois outra, depois outra, depois outra, depois outra, depois outra, depois outra, depois outra, depois outra, depois outra e pronto.

Um texto é composto por uma palavra, a primeira palavra, depois a segunda, depois a terceira, a quarta, a quinta, a sexta, a sétima, a oitava, a nona, a décima, a décima primeira, a décima segunda, e vai e vai e pronto.

Uma música boa é aquela que conseguiu juntar bem as notas. Um texto bom é aquele que conseguiu juntar as palavras certas.

Jornal de Brasília - 11/9/2019

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