Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Vocês se lembram de um processo movido por um juiz que exigiu que o porteiro de seu prédio residencial o chamasse de “doutor” e “senhor”? Isso foi maciçamente divulgado e o juiz foi retratado como um sujeito prepotente, covarde, que estava humilhando ou massacrando um pobre trabalhador.
Quem teve o cuidado de conhecer mais a fundo o caso viu que não foi bem isso o que o aconteceu. O tom “semper eadem” das matérias jornalísticas correspondia a uma parte muito pequena da realidade.
Esse juiz, um homem idoso, solicitou serviço do porteiro, que não só não o prestou, como o tratou de maneira debochada. Ele processou o condomínio por descumprimento de suas obrigações regimentais e, apenas incidentalmente, reclamou trato mais decente, de acordo com sua idade e seu cargo.
Pois bem. A questão etária se sedimenta “naturaliter” nas relações sociais, a despeito da função que o sujeito desempenha, considerada ou não como destacada. O simples fato de os cabelos brancos e as rugas não poderem mais ser ignorados já convida outros a uma relação mais formal. E isso só evolui. Um ancião, caminhando curvado, devagarinho, seja ele quem for, seja lá o que tiver feito na vida, vai ser chamado de “senhor” mesmo pelas pessoas mais deseducadas. Neste caso, o “senhor” é tanto um substantivo comum quanto um vocativo.
Cavalheiros menos provectos – aqui sim, por motivos que se emulsionam com sua ocupação – talvez não apreciem ser tratados por “você” porque o “doutor” já está entalhado na maneira algo instintiva como ele próprio se percebe. Afinal, a combinação entre “doutor” e “você” não é usual.
Mas talvez se dê o oposto. O sujeito desgosta do “senhor” porque não tem necessidade psicológica nenhuma do “doutor”, mesmo no ambiente profissional. Ou então porque sua espontaneidade é sintoma de seu desaparecimento como valor antropológico.
Jornal de Brasília - 11/12/2019
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