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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

Perto da casa onde moro há um mendigo, que fica o tempo todo em uma parada de ônibus. Trata-se de um mendigo clássico, exemplar e inapelável. A apresentação desse homem, que talvez tenha seus 55 anos, não pode ser mais típica, cabelo desgrenhado, barbona, andrajos, tudo. Na maior parte do tempo ele está sentado, de perna cruzada, fazendo nada e olhando para o nada. Uma vez o pilhei caminhando, devagarinho e frágil. Nunca o vi deitado, descansando e muito menos cochilando. Não parece que seja beberrão.

O mendigo escolheu bem a parada porque não é muito movimentada e se encontra nas proximidades de um supermercado. Quase sempre está sozinho. Às vezes uma ou outra mulher está esperando condução e se afasta um pouco, provavelmente pela questão do cheiro. Mas já vi homens sentados no banco, um pouquinho distantes, mas sentados, e assim, evidentemente, ousaram se aproximar. Ou então o mendigo está ausente (provavelmente se deslocou para o banheiro do supermercado), mas seus cacarecos ficaram, levando a crer que em breve estará de volta.

Eu passo pelo mendigo de carro, visualizo tudo o que já relatei e alguns metros depois ele cai no meu esquecimento e só retorna no dia seguinte. Mas, quando está no meu raio de visão, eu penso no mendigo. E em mim mesmo. Pergunto a meus botões se deveria fazer alguma coisa. Ocorre-me levá-lo para a minha casa, deixá-lo tomar um longo banho quente, oferecer uma refeição completa e lhe dar roupas que não quero mais, mas que serão luxuosas para ele.

Eu deveria fazer isso? Se sim, uma só vez ou de vez em quando? Se não, o que posso fazer? Parar o carro e lhe ofertar um sanduíche ou um cobertor? Ou não fazer absolutamente nada? Guardar o incômodo para mim e fingir que ele não existe? Será que só de não encharcar o homem de combustível e atear fogo – para o meu divertimento – seria suficiente?

Jornal de Brasília - 5/2/2020

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