Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Quando o servidor ocupante de cargo em comissão elabora parecer para instruir determinado procedimento, o chefe o recebe e toma uma providência, aceitando-o ou pedindo alguma reformulação, pontual ou geral.
Nessas horas, existe uma infinidade de possibilidades. O chefe pode ser zeloso ou preguiçoso e ler o trabalho de cabo a rabo e fazer observações, ou não ler uma única linha, passar os olhos (talvez nem isso) e assinar. Pode ser que o chefe não entenda do assunto, peça alguma explicação verbal (talvez nem isso), ou talvez confie plenamente no subordinado, sabe de sua capacidade e honestidade, e aprove sem pestanejar, máxime se o escrito for extenso, marcado pela prolixidade e citações enfadonhas.
Mesmo quando há uma rotina consolidada, em que o auxiliar ficou à vontade para fazer o que quis e isso foi adiante sem ressalvas nem restrições, ainda assim a qualquer momento o chefe pode promover uma alteração (quem sabe na base da reprimenda), até mesmo para marcar uma posição, para demonstrar que os papéis não são invertidos e que não é o subordinado que determina o que ele vai assinar. Já vi chefes fazendo exonerações sem nenhuma necessidade patente, apenas para relembrar quem é que manda no pedaço; em etologia, isso se chama “intimidation display”.
Após algum tempo fazendo o que lhe ocorria, e sendo o chefe de fato, o subordinado é surpreendido com uma amostra de que não é bem assim. O que pode então fazer é aceitar, engolindo sapo, ou tentar discutir, no bom ou no mau sentido, com o chefe. Ou pegar o chapéu, com ou sem mágoa no coração.
Quando o subordinado ocupa posto de altíssimo escalão, como ministro de Estado, ele deve desempenhar suas funções da maneira a mais técnica que conseguir, mas a natureza de seu cargo nunca deixa de ser política e tudo o que ele fizer está inserido no contexto dessa realidade.
Jornal de Brasília - 13/5/2020
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