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Rogerio Schietti Machado Cruz
Procurador de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios


O governo brasileiro acaba de criar mais um desnecessário incidente diplomático, fruto de sua soberana vontade política: conceder refúgio a cidadão estrangeiro fugitivo de seu país de origem. Estamos a falar de Cesare Battisti, condenado pela Justiça da Itália à prisão perpétua pela prática de quatro homicídios ocorridos no final da década de 1970, quando aquele país atravessava momentos conturbados, mercê do embate frontal entre um governo de direita e grupos radicais de esquerda, como as Brigadas Vermelhas — responsável pelo sequestro e brutal assassinato do então primeiro-ministro, Aldo Moro — e um certo Proletariados Armados pelo Comunismo (PLC), de que fazia parte o referido cidadão.

Não há dúvida, portanto — não apenas pelo nome da facção revolucionária, mas também pela confissão do próprio refugiado —, que se tratava de terrorista, o que sugere atividade política. Ao que tudo indica, bastou ao governo brasileiro essa ignominiosa qualificação, somada à condição de fugitivo, para considerar o referido homicida uma pessoa sobre quem paira “fundado temor de perseguição política”, nas palavras do ministro da Justiça.

Não importa quantas pessoas tenha matado, ou ajudado a matar; não importa que tenha sido processado e julgado de acordo com as leis do país de origem; não importa que tenha fugido de um presídio onde aguardava julgamento; não importa que, abrigando-se na França socialista, e mesmo antes, no México, tenha constituído advogados e endereçado cartas às autoridades judiciárias italianas para autorizar o acompanhamento técnico de seus processos.

Alguns defensores dos direitos humanos — e me considero e sempre procurei agir como tal — sustentaram, em manifesto e em declarações prestadas recentemente, que Cesare Battisti é um perseguido político, condenado por crimes políticos, sem direito a ampla defesa, e à sua revelia. Não foram essas as conclusões a que chegaram os juízes do mais importante tribunal de direitos humanos, a Corte Europeia de Direitos Humanos, ao responder ao pedido formulado por Battisti contra sua extradição, acolhida pela França, quando ali residia antes de novamente fugir, desta vez para a nova meca dos terroristas.

Ao cabo dessa inquestionável decisão, os oito juízes da 2ª Seção da Corte, à unanimidade, refutaram os argumentos apresentados pela defesa de Battisti. Destacaram que não poderia alegar a nulidade dos processos criminais a que respondeu na Itália, por alegadas contumácia e ausência de informação sobre as acusações, porquanto deliberadamente assumiu a condição de fugitivo, o que, entretanto, não o impediu de ter conhecimento do que se passava relativamente ao seu caso, por meio de advogados que constituiu para realizarem sua defesa.

O mais curioso é que, nas sete páginas da decisão, não há qualquer deliberação sobre a circunstância de serem ou não políticos os crimes pelos quais foi condenado. Ao que tudo indica, somente aqui se cogitou de transformar em ação meramente política o assassinato de quatro pessoas, durante operações de que participou Cesare Battisti.

O fato é que foi ele condenado não pela simples condição de pertencer a grupos terroristas, mas sim porque cometeu crimes definidos no Código Penal da Itália e de qualquer país do mundo.

Não é ocioso lembrar que as condenações hostilizadas pelo mais novo refugiado do governo brasileiro foram proferidas por Justiça composta de magistrados que prestam rigoroso concurso público e que formam uma magistratura independente, em um país que, a despeito de suas instabilidades políticas, possui tradição democrática no período pós-guerra.
Em uma palavra, não se pode pensar da Itália o que se pensa de Burundi, Afeganistão ou Haiti. Falar de perseguição política em um país de quem importamos nossa cultura jurídica e de onde, desde sua existência, retiramos inspiração para elaborar nossa ciência e nossa dogmática jurídicas, simplesmente porque, exercendo seu soberano poder jurisdicional, condenou e pretende executar a pena imposta a um foragido, convenhamos, senhor ministro, soa como pura fantasia, ou exercício de descabida solidariedade proletária.

O perigo dessa decisão parece não ter sido bem avaliado: quem não se animará, como integrante de grupos como Al Qaeda, Farc, Sendero Luminoso etc., a postular igual solução política, para obter o status de refugiado? Afinal, a considerar que a Justiça de um país como a Itália persegue seus cidadãos, com maior razão se dirá o mesmo dos países onde se encontram instaladas as referidas organizações terroristas.

Correio Braziliense

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