Daniel Bernoulli Lucena de Oliveira
E agora essa mudança nas regras do português. Querem me convencer de que ela veio para aperfeiçoar a língua e torná-la mais forte. Não aceito. Dizem por aí: “O português só é mais fácil que o japonês”. Bem, pelo visto, com essas novas regras, nossos amigos nipônicos perderão definitivamente o posto.
Para começo de conversa, os autores resolveram que, para a língua ficar mais portuguesa, era necessário incluir o “k”, o “w” e o “y”. Que conclusão surreal! E, você, leitor, está achando que essa mudança é moleza para decorar e não vai fazer lá muita diferença em tudo o que você aprendeu? Está enganado. Pergunto: quantas vogais existem no alfabeto? Errado. Cinco era no tempo da sua avó, agora são sete. Ah, tem mais: ainda não decidiram se o “w” será só vogal ou se também consoante. É, Camões, morrendo e aprendendo...
Falemos então sobre acentuação. Se você ainda se lembra do pouco daquelas regras que te ensinaram no seu primeiro grau, azar o seu. E eu que achava o “rouxinol” a solução dos meus problemas (dizia a tia Zezé: paroxítonas terminadas com as consoantes de “rouxinol” devem ser acentuadas), ou me deparar com novidades e regras ainda mais esquizofrênicas e sem essas dicas mnemônicas.
De antemão, as paroxítonas com ditongos “ei” e “oi” não mais serão acentuadas. Ideia, boleia, geleia, paranoia, nada disso contará com o devido agudo. Portanto, se você achava que o problema da jiboia era saber se se escrevia com “j” ou “g”, é melhor chamar de “cobra” e mudar de assunto. Nem mesmo para a diarreia pouparam o assento (ou acento), avalie o desespero.
E a brisa do além-mar fez o chapeuzinho do “voo" voar. Portanto, esquece o sinal: leem, creem, preveem, enjoo. Economia é a melhor solução.
Não podemos nos esquecer do trema. Aliás, o contrário, devemos esquecê-lo. Aboliram o trema da ortografia. Nesse momento, fico imaginando o sorriso estampado na face dos digitadores, que tanto já apertaram a tecla de correção, para conseguir escrever a maldita “conseqüência”. Tudo bem, vá lá, ficou mais simples. Agora também não me venha pedir para explicar para o gringo por que cinquenta e esquenta se pronunciam diferente.
Por fim, o hífen. Bem, esse não tem lá grande diferença, até porque não se pode desaprender aquilo que já não se sabia. De toda forma, ainda seremos surpreendidos com algumas grafias estranhas às quais estávamos acostumados. Olha, por exemplo, o antigo “pára-quedas”. Virou paraquedas. Tiraram os pinos, como abri-lo agora? E como é possível encontrar a lógica em uma reforma que separa o “arquiinimigo” (arqui-inimigo) e junta o arqui-rival (arquirrival)? Os autores levaram tão a sério essa história de simplificar, que o travessão da ponte Rio – Niterói agora é só um hífen. Isso é que é pé da letra!
Realmente, não é fácil.
Eu fiquei com pena mesmo foi dos médicos. Anos e anos de estudo, entram na faculdade, mais estudo, terminam a faculdade, mais estudo, terminam a residência, tome plantão. Basta? Nada. A reforma ortográfica trouxe um presentinho para eles. Suprarrenal, anti-inflamatório, cefaleia, ultrassonografia. O jeito vai ser piorar a caligrafia dos receituários – já ininteligíveis – e deixar a tradução para o farmacêutico.
E os programas de computador? Acabou o sossego. Escrevia errado e lá vinha o sublinhado. Agora, eu fico aqui brigando: “está certo” e ele sublinha.
Daqui a pouco, sublinha de novo. Acho que se digitar um texto em inglês, a tela ficará com menos marcações vermelhas.
Nunca fui mesmo muito bom de português. Depois da reforma, então, desisti de vez. Fiquei até com uma pontinha de inveja daquele menino que está iniciando agora, sem vícios e sem passado. Bem, pelo menos, vai ser curioso saber que a Tia Zezé também terá que rebolar um bocado, até recomeçar os ditados e as correções de ortografia. Vai então um conselho: aguente, fique tranquila.
Jornal de Brasília