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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

Uma coisa que ouvi por anos a fio era que não tinha “cara de promotor”. Fui aprovado no concurso para promotor público bem moço, na faixa dos vinte e poucos e, apesar de não me cair bem a recorrência do comentário, admito o quanto havia de acerto em seu conteúdo. De fato, eu não tinha cara de promotor. Era um promotor com a cara errada.

Décadas depois, minha cara ainda não entrou em plena concordância com a expectativa das aparências, a de um distinto senhorzinho de rugas fundas e cabelo pintalgado de fios cinéreos. Se me permitem dizê-lo, uma parte do mundo me vê como um “rapaz” ou um “jovem”.

O primeiro juiz com quem trabalhei tinha idade para ser meu avô e hoje, por vezes, deparo-me com juízes que bem poderiam ser meus filhos, o que é inspirador e ao mesmo tempo desconcertante. Envelhecer é uma experiência especiosamente irônica, maviosamente cambiante, diafanamente terna, solertemente luxuosa, insidiosamente elusiva, melifluamente perturbadora.

Envelhecer não é apenas um processo natural, como também artificial, pois a vida cobra de seu titular a soma das oportunidades que apareceram de mão beijada ou que foram cavadas com sangrentos machucados ungueais. Nisso entram até coisas bobas, gestos, bromas, observações, decisões que preferiríamos esquecer e que nos fizeram abraçar o desgosto do remorso ou a fantasia do “e se”.

E o processo é ainda mais artificial porque somos outrossim forjados pelas nossas omissões, os livros que não lemos, os concursos que não passamos, as pessoas com quem não casamos, tudo o que não fizemos porque fizemos outras coisas ou porque não fizemos nada.

De promotor ou não, é à minha cara a que estou condenado a suportar na imagem refletida pelo espelho. Na ampulheta da vida, o resultado do que cai é o seu significado. Mas não o seu sentido. Este revela a direção do que ainda está para cair.

Jornal de Brasília - 3/11/2020

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