Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Uma decisão judicial somente seria imparcial em um sentido modelar se seu prolator assumisse uma posição de “véu de ignorância” na relação litigiosa e fosse espiando, o que e quanto, as alegações e as provas até a retirada do véu. Ou seja: ao firmar sua convicção quando fosse batido o ponto final da fase instrutória e dos debates.
Isso é dito de maneira idealizada, chegando ao limiar do mundo dos sonhos – onde o Poder Judiciário não parece tão necessário quanto na vida real --, porque o julgador é também responsável pela administração do “feito”. Assim, precisa discernir se as diligências propostas são inadequadas e indeferi-las, o que implica inevitável vislumbre do “ex positis” que um dia haverá de transitar de um jeito ou de outro.
Acontece que uma sentença açodada do ponto de vista intelectual, para não dizer preconceituosa no pior uso do termo, por mais que exsurja nos autos com seus requisitos de praxe, é um produto ontologicamente diáfano, digamos assim, ainda que ninguém perceba as agruras de seus estágios de elaboração – isto é, na obliteração do fato de que o “véu da ignorância” fora rasgado intempestivamente e que prevaleceram as regras urdidas pela experiência profissional.
Esta, afinal, diverge da função do filósofo, para quem visão é sinônimo de surpresa – como dizia Ortega, “estranhar-se é começar a entender” --, como se cada sentença fosse a primeira, mesmo se depois de 40 anos no exercício da magistratura.
Esse jogo se mostra mais preocupado com o aspecto estético da isenção e com o charme da urbanidade no trato direto em detrimento do paulatino, sutil e sobretudo exclusivo processo de amadurecimento – chamado no direito judiciário de “processo de conhecimento” – das demandas, uma por uma, como se cada sentença fosse a derradeira, mesmo se depois de um ou dois meses no exercício da magistratura.
Jornal de Brasília - 17/2/2021
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