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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

No âmbito de um processo judicial, pode ser que as partes ou o juiz precisem de prova pericial, ou seja, de um documento que esclareça um ponto importante da causa, que somente pode ser feito por pessoa com formação especializada. O Código de Processo Civil fala em “conhecimento especial de técnico” (artigo 420, parágrafo único, I) ou “conhecimento técnico ou científico” (art. 424, I).

A razão de ser da perícia é que seu conteúdo não poderia ser produzido pelo juiz ou pelos advogados eles mesmos, que são bacharéis em direito, por reclamar outras formações intelectuais, como as de engenheiro civil, médico ou contador, para ficar nas mais comuns. Daí todo um vocabulário que realça esse perfil elevado: o trabalho se materializa em um laudo; não se fala em preço, mas em honorários; perguntas são quesitos; páginas são laudas e assim por diante.

Paradoxalmente, o Código afirma que “o juiz não está adstrito ao laudo” (art. 436), evitando-se com isso que o perito se transforme no julgador da demanda, o que é uma preocupação justa. Mas é claro que a perícia de alguma forma vincula o juiz. Este só poderá recusá-la se um segundo exame a desmentir (e este é ele próprio uma perícia, a submeter o julgamento do magistrado), ou por algum detalhe formal. Se o juiz tiver condições pessoais de enfrentar o mérito do laudo é porque ele tinha formação na área, e de nível adequado, o que é improvável. Ou então a perícia não era rigorosamente necessária; por ex., o Código fala em “vistoria” (art. 420, caput), que pode ser feita de maneira pouco rebuscada e atingir plenamente seus objetivos sem qualquer conhecimento de ordem “técnica” ou “científica”.

O que mais me chama a atenção é a mentalidade burocrática que inspira toda essa temática, e a exigência de diploma universitário é uma das obsessões brasileiras mais notórias. O caminho da faculdade é um mecanismo de controle formal que, de certa maneira, dá segurança e confiabilidade, porque se presume que a pessoa passou alguns anos recebendo instrução em aulas, provas, trabalhos, seminários etc., o que levou a cabo com sucesso. O registro em Conselhos, Ordens ou equivalentes qualifica o sujeito como um profissional. E é isso mesmo o que eu chamo de burocracia, porque a presunção vai longe demais, por dois motivos:

1 - ao assumir que o profissional seja um real conhecedor de sua área, o que não é necessariamente verídico. É muito possível, v.g., que numerosos dentistas ou advogados sejam bastante inseguros para exercer suas profissões, porque um exame elementar de autocrítica lhes mostra que eles não estudaram o suficiente. É mais do que sabido que universidades são locais propícios para estudos, mas também para festas, viagens e reuniões as mais inconfessáveis;

2 – porque são preteridos aqueles que não tiveram ou recusaram deliberadamente a educação oficial, mas leram muito mais e conhecem bem mais a fundo a matéria do que bacharéis com anel no dedo e canudo na mão. Os autodidatas têm que provar que são entendidos contra toda a violência da maré acadêmica e, mesmo quando atingem altos patamares de notoriedade, dificilmente são absorvidos pelo mundo dos filtros dos títulos e cargos. Vou dar dois exemplos de cabeças sem chapéu universitário, mas que ninguém ousa ignorar ou enfrentar de peito aberto: Richard Leaky e Olavo de Carvalho. Você pode discordar o quanto quiser desses dois, mas desqualificá-los pela falta de diploma é pura covardia, porque eles já deram demonstrações cabais que dão de 10 a 0 em muito PhD por aí.

Para finalizar: um tipo de exame fascinante e muito preciso é o papiloscópico (que pode ter êxito até em casos extremos de cadáveres carbonizados ou afogados há meses), mas que, por razões um tanto obscuras, não é considerado “perícia”. Dizem que os papiloscopistas são apenas bem treinados.

E por acaso não é isso mesmo o que ocorre com o jurista: treinamento? Não vamos à faculdade de direito aprender a “ciência jurídica”, mas o que as leis em vigor nos contam. Um professor francês costumava afirmar que não ensinava direito civil, e sim o Código Napoleão, e esse espírito codificado e laudatório é o que nos tem animado desde então.

Jornal de Brasília

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