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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

O aclamado penalista e falecido ministro do STF Nelson Hungria, analisando em 1953 o artigo 1o do Código Penal, queixava-se do excesso de opiniões doutrinárias no exercício da magistratura, que não devem ser tratadas como “tabus” ou exibidas como “roupas de franceses”.

O argumento de autoridade merece ser explorado, mas com um grão de sal, “para arrimo ao raciocínio na solução de questões seriamente controvertidas”. Nessa frase, destacam-se as palavras “arrimo” e “seriamente”.

A crítica se voltava para a invocação profusa de autores “daquém e dalém mar, com transcrições em sete línguas diferentes”, de tal modo que decisões se transformam em “desafogo de sapiência”, “cultura de vitrina” ou “paradas de erudição deglutida na última vigília”.

Sentenças precisam ser austeras e, sobretudo, justas, “servindo ao fim prático de implantar a paz entre os homens”. E ainda: “o juiz deve ter alguma coisa de pelicano”. Entenderam a comparação?

Esse artigo 1segue em vigor, mas algo mudou de lá para cá. Pouco ou nada mais se vê de sentenças preocupadas em desfilar leituras a fim de impressionar a plateia. Citações mais comuns são de manuais ou best sellers de consultas rápidas e sem maiores profundidades.

No Supremo Tribunal é que vemos alguns votos exageradamente longos e prolixos, “divorciados da realidade humana”, para citar Hungria de novo: um “direito postiço, arrebicado, sabendo a palha seca”, longe da “verdadeira justiça, que é a função da alma voltada para o mundo”. Tisnemos aqui para as palavras “humana”, “verdadeira” e “arrebicado”.

Um segundo lote de reclamações diz respeito ao juiz “fetichista da jurisprudência”, “burocrata”, “de fichário e catálogo”, “que se põe genuflexo diante dos repertórios como se fossem livros sagrados de alguma religião cabalística”. Pobre Hungria. Mal sabia do que o control-c-control-v seria capaz.

Jornal de Brasília - 7/4/2021

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