Trajano Sousa de Melo, presidente da Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT)
Manoel Victor Sereni Murrieta e Tavares, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP)
Fábio George Cruz da Nóbrega, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)
José Antonio Vieira de Freitas Filho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT)
Edmar Jorge de Almeida, presidente da Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANMPM)
Estabelecidos no texto da Constituição pela Emenda 45/2004, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) são órgãos de controle administrativo, financeiro e disciplinar do Poder Judiciário e do Ministério Público brasileiros.
A composição de ambos inclui, de forma similar e simétrica, representantes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O CNMP ainda reserva assentos a indicados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O CNJ comporta indicados pelos Ministérios Públicos Estaduais e pelo Ministério Público da União.
Os conselhos surgiram, portanto, simultaneamente e com compleições similares, realçando-se a paridade entre a Magistratura e o Ministério Público, que restou definida pelo próprio constituinte originário como cláusula pétrea e, assim, insuscetível de alteração.
Hoje, quase 16 anos depois e sem justificativas idôneas, tramita na Câmara dos Deputados a PEC 5/2021, que pretende mudar a composição do CNMP sob o insustentável argumento de que o órgão não seria efetivo, especialmente no que concerne ao poder disciplinar que lhe cabe exercer quanto aos membros do Ministério Público.
Os números, entretanto, revelam o contrário.
Levantamento da Corregedoria Nacional no CNMP mostra que, em 15 anos, o órgão instaurou 237 procedimentos administrativos disciplinares (PADs) e julgou 212 PADs. Desse total, 138 PADs resultaram em algum tipo de penalidade.
Considerando que o Ministério Público possui 12.915 promotores e procuradores em atividade, enquanto o Poder Judiciário conta com 18.091 juízes e desembargadores, o que resulta em uma diferença de 28,61% a mais de magistrados, a quantidade absoluta de PADs instaurados no CNMP, de 2005 a 2019 (237), é 69,29% superior à dos instaurados, no mesmo período, pelo CNJ (140).
Levando-se em conta os efetivamente julgados, os números absolutos concernentes ao Ministério Público (212) representam o dobro (101,9%) dos relativos ao órgão de controle da magistratura (105).
Dados estatísticos proporcionais são ainda mais impactantes. Por cada mil integrantes das carreiras, o CNJ instaurou 7,74 PADs e o CNMP 18,35, quantidade 137,13% superior. Observando-se a mesma proporção (mil integrantes), foram julgados 5,8 PADs pelo CNJ e 16,42 pelo CNMP, isto é, 182,82% mais.
Quanto às sanções aplicadas, os registros do CNMP (138) superam em 58,62% os do CNJ (87). Na relação proporcional de penalidades para cada mil membros das carreiras, os números são 122,19% maiores para o CNMP (10,69), em comparação aos do CNJ (4,81).
Constata-se, portanto, que a atual composição do CNMP atende perfeitamente bem ao interesse público e à ideia de multisetorialidade, pois congrega integrantes de várias instituições que, com o seu conhecimento, sua experiência e representação, vêm contribuindo para o aperfeiçoamento do Ministério Público, com julgamentos céleres, transparentes e em sessões públicas transmitidas pela internet.
A proposta de alteração da composição, para que se preveja um número maior de indicações do Congresso Nacional, bem como se admita que o Corregedor Nacional seja escolhido fora dos quadros do Ministério Público, além de, em virtude dos números divulgados, ser inconsistente e injustificada, padece de flagrante inconstitucionalidade ao romper com a similaridade prevista quando da criação de ambos os conselhos.
É fato inquestionável que o CNMP vem cumprindo com a missão que lhe foi confiada e que possíveis inconformismos com decisões específicas proferidas, inclusive em processos disciplinares, são naturais e não podem legitimar, em um Estado Democrático de Direito, reações que, na prática, não se prestam ao fortalecimento das instituições da República e põem em risco a independência funcional dos membros do Ministério Público, uma garantia constitucional da Sociedade, essencial à defesa eficiente e resoluta da ordem jurídica, da democracia e do bem comum.
A Constituição já prevê o controle político dos processos de indicação dos Conselheiros do CNMP, que, como é cediço, são submetidos à sabatina e à aprovação do Senado Federal, sendo desarrazoada qualquer alegação de corporativismo ou de impunidade.
Ressalte-se, aliás, que o CNMP está, há um ano e meio, com déficit de membros, simplesmente em razão da ausência de apreciação, pelo Senado, dos nomes de alguns indicados. Dos 14 assentos constitucionalmente previstos, apenas 10 se encontram ocupados. Suprir a omissão seria, sim, o modo mais adequado de se dotar o CNMP, novamente, de plena capacidade de operacionalização.
A tudo se acresça a inoportunidade e a inconveniência de discussão da proposta, que, a par de desfundamentada e inapta à obtenção de soluções legítimas e socialmente úteis, afronta a Constituição, durante uma gravíssima crise sanitária, exatamente quando o povo brasileiro mais precisa do Ministério Público forte, livre, independente, dotado de instrumentos e garantias que possibilitem a fiscalização do exercício dos poderes do Estado, uma de suas funções precípuas.
Blog Fausto Macedo, Estadão - 19/4/2021
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