Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
A palavra “jurisprudência” designa a maneira como os tribunais compreendem os ditames jurídicos. Quando isso é feito por estudiosos, o termo que se usa é “doutrina”. Um leigo, que pouco ou nada leu sobre o assunto, pode acessar um texto de lei, um decreto do Executivo ou um julgado de algum tribunal, mas o modo como formará seu entendimento nem tem um nome específico.
Eu chamaria, no máximo, de “impressão” e, se ele achar que é mais do que isso e tirar da algibeira o argumento de que “está na lei”, é o caso de relembrar que nem tudo é o que parece. Se ele passar o dia inteiro ao ar livre, terá a impressão de que, ao longo das horas, o Sol girou em torno da Terra.
Jurisprudência é um substantivo coletivo, assim como cardume (peixes), orquestra (músicos) e réstia (cebolas). Gosto muito de cáfila (camelos), mas tenho raríssimas oportunidades de utilizar. Farândola (mendigos) também me fascina, mas só a palavra. Uma farândola se aproximando à noite do seu carro nada tem de fascinante.
Já “vara”, forçoso admitir, não tem funcionado bem. O vocábulo vem fracassando no escopo de designar um ajuntamento de suínos, como consta do gabarito lexical. Antes de mais nada, porque não pertence à realidade do povo da cidade, que só terá contato com uma vara (“vara de porcos” é pleonasmo) na TV, internet ou em um final de semana em hotel-fazenda – se não ficar horrorizado com a visão e com o cheiro.
Perto de onde moro existem muitas capivaras mas não tenho certeza se o coletivo desse bicho também é vara e, mesmo se o for, “vara de capivara” soa esquisito e até tem um duplo sentido de mau gosto. O coletivo de cabra é “fato” mas a referência a “um fato” é tão inconsistente que é melhor dizer um “bando de cabras”, por mais que isso seja gramaticalmente incorreto.
Quantos porcos fazem uma vara? Quantos processos compõem uma jurisprudência?
Jornal de Brasília - 19/5/2021
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