Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT 

Exercício elementar do chamado “direito positivo” consiste no exame dos dispositivos legais que se aplicam a realidades práticas da vida. Leis são esquemas abstratos que se prestam a disciplinar relações futuras (excepcionalmente, passadas) cujos efeitos são tramados a fim de que as pessoas saibam como se comportar ou conheçam as consequências se não o fizerem.

Por exemplo, algum detalhe sobre inquilinato ou imposto de renda pode ser objeto de verificação nas regras e regulamentos respectivos. Esse é o método silogístico ou de “subsunção”: se o artigo ilumina a indagação, a resposta está dada. “Está na lei”, como o diz o vulgo.

É correto isso? Em boa parte, sim, o que os profissionais fazem não é tão diferente. É assim que eles tentam ecoar a solução de problemas que se lhe apresentam, de um jeito ou outro.

É como agirá o jurista de truz se for provocado por um parente em um almoço de domingo – com a diferença de que sabe que a coisa é mais complicada e que as aparências enganam muito. Se não estiver familiarizado com o tema, ele pode pedir vistas para responder na segunda ou desviá-lo para algum flanco que domine. O parente acaba ouvindo uma palestra mas sua dúvida continua a lhe atormentar. Nós somos mestres na arte da enrolação.

Quando se trata do aplicador da lei, conviria explicitar em que medida cabe segui-la e em quais casos desconsiderá-la, ou seja, qual a sua função e o seu grau de autoridade. Para Michel Villey, “os manuais são mais ou menos mudos” nesse ponto; “o remédio nos é fornecido sem bula, o que pode torná-lo nocivo”. Napoleão temia que os intérpretes se tornassem os assassinos de seu Código Civil.

A lei não é a norma. É o seu hipocorístico. O seu álibi, o seu bálsamo, a sua bússola, a sua síndrome, a sua sátira, o seu fígado, o seu cântico, a sua xícara, o seu ônibus, a sua mágica, a sua máscara.

Jornal de Brasília - 23/6/2021

Os textos disponibilizados neste espaço são autorais e foram publicados em jornais e revistas. Eles são a livre manifestação de pensamento de seus autores e não refletem, necessariamente, o posicionamento da instituição.