Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT 

Vamos supor que uma bomba atômica exploda de repente e faça a humanidade perecer em questão de dias, semanas, meses. Mas quase tudo o que se construiu remanesce, edifícios, pontes, logradouros em geral, até o Supremo segue de pé. As piscinas ficarão imundas até secarem, se secarem, mas exatamente nos mesmos lugares. Nas casas restarão a mobília, os utensílios, os eletrônicos, os canudos de plástico, os esqueletos dos antigos donose as baratas andando em cima deles.

Acontece que, no próximo período interglacial, surgirão na Terra moradores inteligentes, parecidos conosco em todos os quesitos. Serão Sapiens Sapiens redivivos, que poderiam andar no metrô hoje mesmo e não chamariam a atenção – talvez pelas roupas e idiomas mas não pelo aspecto físico.

A geração futura quererá conhecer os seus predecessores e o material será mais farto do que pinturas nas paredes de cavernas ou cacos de cerâmica a descortinar a cadeia política de determinada civilização, com sua estrutura de dominação hierárquica (talvez do tipo escravocrata). Se os livros em papel ou digitais já não estiveram mais legíveis daqui a não sei quanto tempo, ao menos nossos descendentes saberão que fomos tecnológicos o bastante para nos comunicarmos a milhares de quilômetros como se a distância fosse de apenas umas dezenas de metros.

Então vamos: ao menos um exemplar da Constituição brasileira de 1988 estará perfeitamente compulsável. Nossos futuristas aprenderão que “todo o poder emana do povo”, que “todos são iguais perante a lei” e que “é livre a manifestação de pensamento”. Talvez se deslumbrem com o salário mínimo, “capaz de atender” às necessidade pessoais e familiares básicas em termos de “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”.

Jornal de Brasília - 6/10/2021

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