Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
“Éramos seis” conta a história da família Lemos, de Itapetininga-SP, que se muda para a capital do estado para levar um estilo de vida, digamos assim, de classe média baixa. Como o título do romance anuncia, os Lemos eram constituídos pelo casal, Júlio e Lola, e quatro filhos, Carlos, Alfredo, Isabel e Julinho.
Carlos, o morgado, era responsável e amoroso, o filho exemplar. Começou a estudar medicina mas parou o curso para trabalhar e ajudar em casa. Difícil duvidar que seria um João Semana, competente e “humano”, sem pressa nos atendimentos e sem cobrar dos pobres, dando amostras e até o troco da passagem.
Isabel, a única menina, formou-se professora mas não quis exercer. Era bonita e coquete e acabou se apaixonando por Felício, um homem separado, numa relação que a família renegou. Na primeira metade do século 20, ter uma filha/irmã “descasada” (ou “largada do marido”) era motivo de desonra. Unir-se a um homem desquitado tampouco era aceitável. O divórcio só passou a vigorar no Brasil em 1977 e mesmo assim não foi assimilado “tout court”. Os mais tradicionais e conservadores não o assimilaram até agora.
O caçula Julinho era independente e revelou desde cedo talento para o comércio. Mudou-se para o Rio de Janeiro, com emprego certo, e se casou com a filha do patrão, um sujeito endinheirado. Era fácil vislumbrar Julinho antes dos 40 com muitas posses.
E Alfredo? Esse era péssimo aluno, sempre tomando pau e andando com moleques de rua. Brigão, cínico, com elementos de psicopatia, não ia atrás de emprego nem se firmava quando aparecia, o que justificava de modo obscuro. O que faz? Entra para uma área da vida pública que acoita perfis menos preocupados com as exigências da autodisciplina do que com oportunidades mundanas: a política. Depois Alfredo se envolve num assassinato mal contado e foge do país para nunca mais.
Jornal de Brasília - 17/11/2021
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