Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Existem vários modos de reprodução sexual animal, e os mais extremados são aqueles conhecidos cientificamente como estratégias “r” e “k”. De acordo com a primeira, é bastante elevada a produção procriatória, e mínima a energia gasta com cada qual individualmente. Com 500.000.000 de ovos gerados por ano, a ostra é um exemplo bem acabado do privilégio da quantidade em detrimento da qualidade, ou seja, do cuidado específico com cada cria, luxo que ela não poderia se permitir. Trata-se, afinal, de um ser com órgãos sensoriais muito rudimentares e que não pode sequer se locomover.
Já a estratégia “k” é exatamente o contrário, pois consiste na produção de pouquíssimos filhotes de cada vez (em geral só um), com longo período de cuidados preliminares básicos -- amamentação por antonomásia; aliás, a expressão “alimentos”, é adotada, também por antonomásia, pelo direito brasileiro, com o mesmo sentido --, acompanhada por uma fase infértil. É o caso dos mono-antropóides (gorilas, orangotangos, chimpanzés), que são bichos muitíssimo mais inteligentes que as ostras e podem dar atenção exclusiva a seus rebentos, que nascem, um por um, a cada cinco ou seis anos em média. Podem dar atenção e dão: já houve até mesmo casos de “adoção” de crianças por indivíduos mais velhos, ao menos em cativeiro.
Entre as letras “r” e “k” há uma gama de possibilidades, que depende de numerosos fatores, todos eles de improvável nível de pureza, mesmo nos nichos mais radicais. Mas a presença de alguma complexidade, como cérebros e espinhas dorsais, em certos peixes, répteis e anfíbios, acarretou o surgimento de uma novidade interessante, que é a figura do pai.
Isso tanto é verdade que, para ficar no exemplo dos primatas, quanto mais quadrúpedes se tornam, mais se aproximam do “r” e se distanciam do “k” (e vice-versa, evidentemente). Macacos têm mais filhos que os monos – aqui a média cai para dois anos. Em compensação, são menos inteligentes e demonstram ser pais bem menos zelosos, de tal modo que, por qualquer dos motivos, o prejuízo pelo investimento não é tão traumático se um ou outro filhote morre.
A essa altura nem é necessário dizer que os humanos são tão complicados que mal cabem nas regras do alfabeto tático. Já estão desenvolvidas e em plena utilização práticas reprodutivas – e anti-reprodutivas -- de alta sofisticação, e muitas claramente chegam a colocar em xeque, ou xeque-mate, padrões morais mínimos, suplantados em nome da tecnologia e do valor do utilitarismo, senão do egoismo.
Mas isso não vem ao caso agora. O que eu quero dizer é que, no normal – e se uso essa expressão é porque a imensa maioria das pessoas continuam sendo concebidas sem a interferência de quaisquer mecanismos artificiais que não a via do bom e velho congresso carnal --, as crias humanas exigem atenção extremada da mãe, porque nada conseguem fazer por conta própria e morrem quando são entregues à própria sorte. E assim é independentemente de a mulher ter sonhado ardentemente com o desejo da maternidade, ou se ela abandona o bebê na primeira lata de lixo que se lhe aparece. Consideramos esta última conduta como criminosa e não costumamos ser piedosos com a indiferença emocional. Talvez preferíssemos o ódio ou a vingança; alguns até admirariam a ré que confessasse o crime ainda com gosto de nojo na boca. Aliás, todos os criminosos deveriam confessar seus crimes, com qualquer gosto na boca que queiram.
Em suma, o preço da nossa estratégia reprodutiva é bastante alto e nada garante que um dia perderemos o fio dessa meada. É bem possível que tenha sido isso mesmo o que aconteceu com os dinossauros – cuja época não durou nada menos do que extensíssimos 100.000.000 de anos --, que se extinguiram não por chuvas de meteoros ou outras explicações exóticas, mas porque não souberam sair do buraco estratégico que combinava o pior das letras “r” e “k”: vale dizer, eram produtores econômicos e mantenedores pouco dedicados. De qualquer forma, eu me sinto gratificado em saber que os dinossauros sumiram da face da Terra pela própria inépcia ou por qualquer outro motivo que não pode ser tributado à ação predatória dos humanos. Esse crime eu não confesso.
Jornal de Brasília