Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Em um vídeo facilmente acessível na internet, o cantor Axl Rose presta depoimento como testemunha em um processo judicial. Nesse habitat diferente, sua aparência é diferente também: um cafona porém comportado costume esverdeado, com camisa abotoada sem gravata, a cara limpa, “normal”.
Ele demora para responder as perguntas do advogado (a ação foi movida por um integrante demitido do grupo Guns n’ Roses em razão do uso excessivo de tóxico), calculando as respostas e entregando monossílabos aos sussurros, juncados de não-seis, não-lembros, achos-que-sim-ou-que-não.
Axl se mostra compenetrado, sem risinhos de deboche, sem levantar a voz, sem suspiros enfarados como quem diz: “acabou? Quer um autógrafo agora?”. Não parece intimidado nem tenta intimidar. Só houve um esgar de ironia em determinado momento porque, afinal, nem todas as perguntas foram proveitosas e objetivas. Em português grosseiro, foram meio idiotas.
Quando você lê um romance, por mais que esteja envolvido intelectual e sentimentalmente, não consegue tocar em um personagem, que é um objeto ideal dentro de outro objeto ideal. Popper dizia que o modelo do real é algo que uma criança possa pegar e colocar na boca.
Nesse sentido, a suspensão da descrença se esvazia em um filme pois aí os personagens têm uma catadura menos subjetiva – a aparência dos atores –, e ainda menos no teatro ou em um concerto. Pelas ribaltas pavoneiam pessoas de carne e osso, a metros da plateia, que pode tocá-las, beijá-las ou mordê-las.
Talvez “o verdadeiro” Axl, o do café preto numa manhã qualquer de terça-feira, afete fleugma diante do advogado canastrão (que, parece, ganhou a causa) ou, num palimpsesto popperiano entre a “noblesse oblige” da celebridade doidona do roque e da caretice da lei, rasgue a fantasia e promova uma quebradeira furiosa dos móveis ali mesmo no Forum.
Jornal de Brasília - 26/1/2022
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