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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

Oficial do exército nazista descobre um fugitivo homiziado em sua residência, em Varsóvia. O fugitivo tentava abrir uma lata de picles mas está fraco, desorientado, no limiar do delírio. Nada mais simples e previsível do que eliminá-lo, como era o dever jurídico e moral de todo bom nazista, em nome da depuração da raça humana minada pelo Führer. Depois, era só chamar uns ajudantes de ordens para varrer o cadáver para longe de sua vista e de seu olfato.

Mas esse militar não era um bom nazista e, ao ser informado de que o fugitivo é pianista, leva-o para “tocar algo” no piano da casa. E o que vem é uma peça clássica fabulosa, surpreendentemente fabulosa.

Vamos supor que o oficial fizesse o contrário. Ele manda o fugitivo se sentar e o obriga a escutar seu pianinho mequetrefe. E tasca “Pense em mim”, do Leandro & Leonardo, “Vou deixar”, do Skank, “Paradise”, do Coldplay. Esse suplício ridículo era só o que faltava para o fugitivo que, exausto, desidratado, faminto, gelado, morto, cochila na cadeira. Mas o militar se acha bom e não permite, pede animação, vamos cantar juntos. Eu canto: “Para, para”, e aí você completa: “Paradise”. Vamos lá!

Talvez até mandasse o fugitivo dançar, por que não? O humor nazista era repleto de lances como esse, de sadismo sórdido. Porém, o militar opta por cometer crime de traição contra o Reich ao fazer vista grossa quanto à coabitação e até fornece ao protegido alimentos e agasalho. Conversa com ele não como se fosse um judeu, mas um humano mesmo.

No filme “Amadeus”, Salieri compõe uma marcha para o rei e este a toca ele mesmo no cravo, de maneira canhestra, no que é aplaudido pelos sicofantas de plantão. Mozart, atrevido, trapalhão (nem sabia quem era o rei) mas de uma genialidade capaz de derreter edifícios, é instado a tocar a peça e acaba por reduzi-la a uma “Pense em mim, chore por mim”.

Jornal de Brasília - 9/2/2022

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