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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

O Código Civil brasileiro proíbe o casamento entre ascendentes e descendentes (artigo 1.521, I). Em outras palavras, filhos e netos não podem contrair matrimônio com seus próprios pais e avós, o que é o reconhecimento jurídico do incesto como um tabu universal. Ou ainda, a vitória da regra sobre a necessidade, da instituição sobre o instinto.

Leiam Pierre Clastres: “A troca exogâmica das mulheres funda a sociedade como tal na proibição do incesto”. De fato, guerras primitivas tinham como objetivo o equilíbrio sexual de tribos em constante pé-de-guerra – tribos essas hostis entre si, mas que eram compostas, na essência, por primos e cunhados --, a tal ponto que Lévi-Strauss chegou a acreditar que “as trocas são guerras pacificamente resolvidas, as guerras são o desfecho de transações infelizes”. Hoje travamos batalhas por outros motivos. Bons tempos os do cachimbo da paz! Vivas à réconciliation sur l´oreiller!

Mas o Código também veda casamento entre “os afins em linha reta” (1.521, II), ou seja, entre genro e sogra, nora e sogro. Por quê será?

A explicação pode ser a menopausa, fenômeno que consiste na cessação irreversível e involuntária da fertilidade feminina antes, e bem antes, da falência de outros sistemas somáticos e do final da idade média da vida adulta.

Do ponto de vista estatístico, uma mulher moderna chegar aos 80 anos não é nenhuma raridade. Digamos então que uma senhora, falecida nessa idade, tenha experimentado a menarca (a primeira menstruação) aos 13 anos e entrado em menopausa aos 46. Ela teve portanto 33 anos de vida potencialmente reprodutiva, e um período muito superior de infertilidade: 47 anos (13 após seu nascimento e 34 antes de morrer).

Esses números levam em consideração fatores estritamente biológicos, não culturais. Estou colocando entre parêntesis que a garota com 14 anos não tenha condições financeiras para sustentar a prole, nem que a mulher de 45 esteja no melhor da forma psicológica para fazê-lo, por mais prováveis que sejam essas hipóteses.

O que não quero deixar de levar em consideração é que nenhum gênero animal conhece a menopausa, com exceção tão somente dos humanos e de uma espécie de baleias dentadas. A menopausa humana deve ter uma boa explicação, porque nada em biologia evolutiva se dá e se mantém, por muito tempo, por puro acaso.

Uma teoria, conhecida como “hipótese da avó”, remonta aos forrageadores que já conheciam técnicas de caça, mas cuja demanda alimentícia não podia depender maciçamente da proteína animal, provida pelos mais fortes (os machos), e era necessário se recorrer à coleta de frutas e vegetais em geral. Este trabalho era confiado às mulheres, que passaram a desenvolver uma característica fisiológica muito especial: embora ainda estivessem na plenitude da vida, deixaram naturalmente elas próprias de exigir cuidados alheios típicos das gestantes e parturientes – e da fase traumática do desmame -- e passaram a ajudar filhas e até noras na manutenção das crianças. Assim, as mulheres acharam um jeito de sobreviver à sua inutilidade procriatória, que para as demais fêmeas significa o abismo da morte, com o que todos lucraram, pois a providência nutricional estava garantida, bem como a perpetuação dos genes (especialmente dos filhos das filhas, que não poderiam ser bastardos).

Essa teoria pode ou não se sustentar como algo sólido, mas não cairá com o primeiro sujeito que levantar o braço e disser: epa!, a minha sogra é uma jararaca que nunca nos ajudou em nada. Na verdade, essas coisas não se estabelecem nem mudam de uma hora para outra, mas respeitam um longo período de evolução, e a evolução não costuma estacionar. Talvez estejamos caminhando para um futuro glorioso em que a natureza entenda o recado dos atuais ditames da civilização, e conceda à mulher a chance de procriar somente a partir do período em que ela se forma na faculdade ou passa no concurso público -- não precisando assim de anticoncepcionais artificiais enquanto isso --, até quando ela bem quiser.

E numa coisa nós ganhamos de todos: somos os únicos que temos netos. Queremos tê-los, e os netos costumam gostar dos seus avôs.

Mas não para casar, que o código civil não deixa.

Jornal de Brasília

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