Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Humoristas gostam de defender a ausência de limites no desempenho de suas atividades profissionais; não podem ser tolhidos na liberdade de piadar contra quem ou o que lhes aprouver; essa é a sua função social e o único móvel a regulá-la é o sucesso do riso.
Santo Agostinho disse sobre o tempo: “si nemo a me quaerat, scio, si quaerenti explicare velim, nescio” (quando não me perguntam o que é, eu sei; quando me perguntam, não sei). Parafraseando nosso homem em Hipona, se não me perguntam qual é o limite do humor, consigo intuir uma linha pontilhada (uma linha que é, na verdade, uma faixa degradê). O pior é que só se percebe que foi cruzada quando é tarde demais, ou seja, se o ouvinte, mesmo que não seja o alvo direto da pilhéria, franze a testa, coça a cabeça ou vai além, apupa, joga ovos no engraçadinho, mete a mão na sua cara.
Ao menos um gelo baiano parece claro de antemão: defeitos físicos e doenças mentais. Não é aceitável gracejar sobre os olhos do Nestor Cerveró nem com a condição capilar da mulher do Will Smith porque a aflição que isso possa causar não compensa o desfrute sardônico que proporciona a ouvidos mal educados - ou educados demais que, “par délicatesse”, optam por vestir um protocolar sorriso amarelo.
A trajetória do humor como um todo varia de acordo com a evolução (esta palavra está sendo utilizada em um sentido biológico, não moral) dos valores culturais. Já não se brinca com bêbados como antes, porque o alcoolismo crônico é hoje percebido como uma desgraça que acaba com empregos e destroça famílias. Mas a coisa não é tão simples. Charlie Chaplin sustentava que “o verdadeiro caráter de um homem aparece quando ele está bêbado”, o que encontra ressonância em pensamentos muito antigos, de tal modo que a crítica de seus personagens pode agitar algo mais profundo do que a zombaria barata e sórdida.
Jornal de Brasília - 13/4/2022
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