Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Vigora uma certa distinção entre atividade pública de natureza “política” e “jurídica”, esta última também assimilada como “técnica”. Os quadros preenchidos por candidatos eleitos e seus auxiliares diretos realizam trabalhos “políticos” e o Judiciário (além de concursados em geral, Ministério Público, Defensoria, Polícia, Detran etc.) seria “técnico”.
Vamos dar um giro nesse raciocínio e dizer que nem as funções do Legislativo nem as do Judiciário são fechadas em si mesmas, herméticas. Ao contrário, são ambas inacabadas, interdependentes e infinitas.
Congressos de deputados/senadores/vereadores não legislam para si próprios e sim para a população (se fazem isso bem ou mal é outra história), mas o destinatário derradeiro das regras é, em potencial, a Justiça.
Quem dera se a lei anunciasse, com a eficiência de um passe de mágica, que a pena por “matar alguém” é de reclusão de 6 a 20 anos. É dado cogitar que, se o artigo 121 do Código Penal fosse revogado do dia para a noite, o número de assassinatos explodiria da noite para o dia. Enquanto isso não acontece, o risco de se parar na cadeia em virtude da proibição não tem incutido temor suficiente para que seja erradicado.
Daí porque o Judiciário fica na coxia e entra em cena quando necessário para recuperar o valor da vida humana com o estandarte da punição, ou ao menos o “territio verbalis” que um processo significa.
A Justiça baseia suas ações em um conjunto de medidas moldado pelo Poder Legislativo, como um túnel em que cada lado constrói uma parte e se encontra no meio.
A comparação não é das mais felizes, mas dá uma dica sobre a divergência idealizada entre vocações institucionais. Serve para descontrair a noção de que o primeiro diz respeito a campanhas, eleições e manifestações, e o segundo passa ao largo desse negócio de direita e esquerda, de Lula ou Bolsonaro.
Jornal de Brasília - 4/5/2022
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