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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

Você sabe o que são terras devolutas (TD)? Já ouviu falar nisso? Tal instituto está na Constituição Federal, em nada menos do que quatro ocasiões. Só de figurar ali já é sinal de importância jurídica, ainda mais tantas vezes.

Quem redigiu um relatório sobre o assunto foi Machado de Assis, em 1886, quando vigorava a Constituição de 1824 e o país se chamava “Império do Brazil” (atenção: todas as constituições seguintes, com duas exceções, 1934 e 1937, falaram sobre TD, o que mostra que o assunto é, pelo jeito, extremamente relevante).

Machado tinha 47 anos e era “funcionário administrativo” do governo. Mas entrou para a história como escritor, o mais reverenciado de todos, título que já ostentava naquela época e desfruta inconteste até hoje, mais de um século após sua morte. No seu gênero mais destacado, o romance, ele tinha partejado “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e ainda estavam por vir à luz obras ainda mais consagradoras, como “Quincas Borba” e “Dom Casmurro”.

TD não foi a primeira experiência jurídica de Machado. Ele elaborara um parecer dez anos antes, sobre a “Lei do ventre livre”, que manumitia filhos de escravos nascidos após sua promulgação e também os que não tivessem sido matriculados num prazo estipulado (pouco mais de dois anos). Neste último segmento, foi aberta uma picada para ações ordinárias. Se movidas pelos escravos, o rito era sumário com apelação “ex officio” à sentença desfavorável; se incoadas pelos proprietários, o rito era o comum, com interposição de recurso voluntário.

Machado lavrou parecer – vitorioso – descontraindo o “espírito da lei” da tensão de filigranas, ou seja, de literalidades mesquinhas. E olha que ele não se apercebeu de uma tecnicalidade tipicamente profissional: a submissão de um parágrafo ao caput e não a outro parágrafo dentro do mesmo artigo. Depois explico isso melhor.

Jornal de Brasília - 6/7/2022

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