Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Outra que você tem ouvido com frequência é que “o Supremo faz da Constituição Federal o que quer”. Isso não é tão simples assim. Cabe e sempre coube ao Judiciário, como um todo, dizer o que a Constituição quer dizer, o que as leis querem dizer. Ditames normativos são obras iniciadas pelo Constituinte ou Legislativo, e a fase de acabamento compete a outro Poder, o da toga, em um contexto totalmente diferente.
É como uma partitura. A música existe, mas apenas no papel. Ela só se torna realidade sonora quando executada pelos músicos, que tocam seus arranjos em conjunto – se bem ou mal, isso é outra história. Talvez a teoria dos “Três Mundos” de Karl Popper ajude a compreender isso melhor. A partitura pertence ao Mundo 1 e a música propriamente dita pertence ao Mundo 3.
No exame de sua configuração vernacular e absorção de modo racional, pode alguém chegar à conclusão óbvia de que o objeto da busca “está na lei”, mas isso não é uma interpretação e sim uma hipótese de interpretação; a distância entre uma lei federal e uma regra jurídica é mais ou menos a mesma que separa dois ovos fritos e um omelete. O cidadão, agrupado em organizações (associações, partidos etc.) e, “a fortiori”, enquanto indivíduo, participa do ambiente jurídico-político de maneira frágil e até enganosa. A ação popular e a penal privada são provas suficientes disso.
Numa democracia, ninguém tem o poder de fazer uma lei num estalar de dedos; quem mais se aproxima disso é o Presidente da República com as medidas provisórias, ainda assim com limitações relevantes. Ninguém tem o poder de manipular a lei como quem faz da partitura um origami; quem mais se aproxima disso é um ministro do STF em decisões monocráticas.
Numa orquestra, uns membros se destacam mais do que outros. Mas ao spalla não é dado improvisar nos solos nem afinar o violino a seu bel prazer.
Jornal de Brasília - 3/8/2022
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