Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

No caso Depp X Heard, aquele revelou um episódio e esta a confirmou; “ipso facto”, merece ser havido como verdadeiro ou, no linguajar processual, incontroverso.

Vamos a ele: um dia Depp chega em casa e Amber toma a iniciativa de lhe retirar as botas, a fim de deixá-lo mais confortável. Ele ficou impressionado, por mais que ela garantisse que isso trouxera satisfação para si mesma, pois estava disposta a “qualquer coisa” para “demonstrar amor”. E a prática se consolidou como uma rotina do casal; “um coração precisa de um osso para roer”, disse Jean Valjean a Cosette.

Quem diria que Amber, a Bela, uma moça prafrentex, sem preconceitos, ativista dos direitos femininos, no fundo era uma Penélope investindo em um relacionamento XX-XY com lances extremosos de ternura e renúncia. E quanta ingratidão de Johnny, esse bruto que vomita menosprezo no “mega pint” de abnegação que se lhe oferecem.

O gesto das botas não é comum nem nas priscas eras, quando a fêmea -- ao menos no imaginário popular -- era propriedade meio “derelictae” dos trogloditas, que as seduziam na base da “ultima ratio regum”: uma baita porretada na cabeça seguida de arrastamento pelos cabelos para você-sabe-o-quê.

Mas há uma pequena diferença nas versões. Segundo Depp, uma vez ela estava ocupada com outros afazeres e ele próprio resolveu tirar as botas, o que a contrariou a ponto de admoestá-lo de que aquela era função exclusiva dela. Amber, a Belíssima, discorda do detalhe: se o maridão quisesse se descalçar, que ficasse à vontade.

O elemento controverso nos depoimentos é a manipulação, que desacredita o agir dela, inocente, puro, probatório de submissão ao jugo do amor. “Thy husband is thy lord, thy life, thy keeper, thy head, thy sovereign”, admitiu a domada Katharina a Petruchio. “And place your hands below your husband´s foot. If he please, my hand is ready”.

Jornal de Brasília - 10/8/2022

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