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 Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

O romance “Éramos seis” conta a trajetória de uma família paulista, os Lemos. No lusco-fusco da vida, a narradora da história, dona Lola, passa pela casa onde morou com o marido e os quatro filhos. E relembra de tudo, com tristeza: ela está viúva, o filho exemplar morreu, o segundo só deu desgosto, a menina era muito coquete e não correspondeu à educação que teve, o caçula era ok, mas independente e distante. Problemas com dinheiro e saúde, isso não faltou.

Dona Lola fala sobre fatos que aconteceram e que não podem desacontecer. Mas é possível se fazer um exercício moral: o transporte “in illo tempore”, a fim de que a experiência do que passou ainda fosse passar, ou seja, como se o pretérito perfeito se convolasse em futuro do pretérito e o presente do indicativo se permitisse manipular “sub specie aeternitatis”.

De certa forma é assim que Lola procede em seu relato, pois não transparecem suas falhas. A impressão que se tem é que ela não tinha defeitos e foi vítima heroica de acasos e erros alheios; o que lhe resta é a fabricação elusiva da própria versão. Dom Casmurro fez o mesmo, na base do convencimento fero de que as duas pessoas mais importantes que conquistou – o grande amigo e o grande amor – juntaram-se para atraiçoá-lo.

Eis o imperativo categórico da logoterapia: “viva como se já estivesse vivendo pela segunda vez e como se na primeira vez você tivesse agido tão errado como está prestes a agir agora”. Aqui, o pretérito perfeito continua pretérito, mas no modo subjuntivo e, neste, o passado nada tem de perfeito.

Se o desacontecimento segue impossível, ao menos o sujeito está vivo. Pode estar velho, acabrunhado, casmurro, porém a noção de “vida” se encaixa na expectativa de um pouco de futuro, de um projeto banal que seja, uma viagem curta, uma horta, cerâmica, astrologia, um ou outro artigo para o jornal.

Jornal de Brasília - 24/8/2022

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