Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Vamos supor que você seja da área jurídica e tenha atuado no direito penal. Mas, por qualquer motivo (por exemplo, ocupou um cargo administrativo no governo, esteve fora do país acompanhando o cônjuge, tentou abrir um negócio etc.), ficou uns três, quatro ou cinco anos afastado e depois retomou.
Ah, quanta diferença. Quanta água passou debaixo da ponte enquanto você esteve fora de casa. O Código Penal foi modificado por leis de 2022, 2021, 2020, 2019, 2018 e muito mais. O Código mesmo é um decreto-lei de 1941, da época do Estado Novo de Getúlio Vargas (o Congresso Nacional estava fechado na época; aliás, Vargas fechou o Congresso duas vezes, e fechado ficou em um total de cerca de 11 anos), mas sua redação original não passa de um jeans daqueles rasgadíssimos, pois sua Parte Geral foi inteiramente reformada em 1984 e ele já recebeu incontáveis nesgas de remendos.
As chances de gafe são tremendas. Pode ser que aquele tio chato, que é advogado (vamos chamá-lo de Tio Rubão), venha fazer judiciosas explicações na cozidão de sábado da vovó, confiando nos conhecimentos que amealhou na “sua época”. Mas ele não se preocupou em dar uma olhadinha se a lei tinha mudado e acabou perorando sobre artigos que foram derrogados ou até ab-rogados.
Depois, como o personagem humorístico Patropi – aquele que bordoava “pô meu, ninguém me avisou” –, precisa catar os cacos com palimpsestos verbais mais ou menos envergonhados, ou dar o dito pelo não dito, na expectativa de esquecimento dos parentes.
Muito pior que o picadeiro armado no almoço íntimo é uma petição formal à Justiça, redigida à luz de ditames legais ultrapassados ou sem familiaridade com a jurisprudência. As leis acabam funcionando para os profissionais como uma espécie de sapato velho. Mas, sapato velho ou jeans rasgado, tem uma hora que não dá mais e é hora de ir para o lixo.
Jornal de Brasília - 31/8/2022
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