Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

“Mas, afinal, para que interpretar um poema? Um poema já é uma interpretação” (Mario Quintana).

Vamos pegar esta informação fictícia: “convidei todos os vizinhos para a minha festa”. Digamos que eu tenha 20 vizinhos. Compreendida literalmente, o que se capta da frase é: “tenho 20 vizinhos e convidei todos eles para a minha festa”.

Se você for meu vizinho e descobrir que dei uma festa e chamei todos os vizinhos, menos você, talvez fique intrigado em saber o que aconteceu com o seu invitamento, ou então agredido pela omissão, que valeu como uma desfeita.

Acontece que a frase pode não ter sido proferida com essa intenção, em que cada palavra – convidei, todos, os, vizinhos, para, a, minha, festa – significava o que parecia, e sim que foram embutidos elementos não expressos ou enviesados (dixit minus). O que quis dizer foi: “convidei todos os vizinhos QUE EU GOSTARIA QUE FOSSEM para a minha festa”. Essa caixa alta muda bastante o sentido da oração e não é de percepção óbvia nem imediata. É até enganosa.

Vamos complicar. Dizer “convidei todos os vizinhos para a minha festa” não implica necessariamente que todos os convidados fossem meus vizinhos. Talvez eu não tenha dado uma festa apenas para eles. Posso ter convidado 50 pessoas, sendo 30 parentes, amigos e colegas de serviço, além de todos os meus 20 vizinhos – ou todos os que quis convidar; digamos, 15. Nessa nova equação hermenêutica, foram 35 convidados não-vizinhos e 15 vizinhos.

Vamos complicar mais: o que é “vizinho”? De acordo com Caldas Aulete, é “pessoa que mora perto de alguém” (item 1); “que está ao lado; adjacente; contíguo; limítrofe” (item 4); que “mora ou se localiza perto” (item 5). Pelo item 4, só tenho dois vizinhos. Pelo item 1, tenho vizinhos que moram até em outras ruas. O item 5 problematiza o “perto” e faz bem em distinguir “morar” e “se localizar”.

Jornal de Brasília - 28/9/2022

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