Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
É conhecida na literatura primatológica a atitude do “bobbing”, que consiste em o macho alfa usar a cabeça e as mãos para reconhecer que perdeu sua posição para outro indivíduo. Melhor explicando: o poder societário dos chimpanzés têm uma configuração triangular patrifocal, tensionada pelo macho alfa (o que manda), o beta (não manda mas lhe dá suporte e, em troca, aufere vantagens diferenciadas) e o gama (não manda mas quer mandar, muitas vezes aplicando um golpe no chefe, inclusive literal, com espancamentos ou morte; o papel do vice pode ser aí crucial, se ele virar a casaca e valorizar sua importância, migrando de beta do alfa para beta do gama, ao custo de uma nódoa no quesito da confiabilidade. A política é naturalmente instável).
A propósito, talvez o beta não seja uma figura conspícua em termos individuais, e sim conceituais. Por exemplo, em “Gabriela, cravo e canela”, Ramiro Bastos era o alfa, Mundinho Falcão era o gama e toda a fiada de coronéis cacaueiros se condensava no beta, sem que um se destacasse particularmente. Os interesses financeiros comuns estabilizaram o jogo do poder.
Seja como for, a cerimônia de posse só se consolida com o bobbing, pois este produzirá segurança para os quadros do governo e alívio para os governados, ainda que seja meio fajuto, ou seja, uma tática a procrastinar uma tentativa de reversão, se o ex-alfa for mau perdedor e quiser revanche.
Por mais que machos proeminentes sejam cruentos, de um modo geral o restante da população não o é. Quanto mais ampla a base de apoio, maior a tranquilidade geral e, para tanto, o vulgo precisa estar minimamente satisfeito (vem daí leis que protegem crianças, adolescentes, mulheres, idosos, deficientes etc.). O alfa forte e ambicioso precisa decidir se comanda unido a um beta oportunista– ou seja, para si mesmo – ou se é comandado pelo grupo.
Jornal de Brasília - 26/10/2022
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