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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

O filme “Fantasma da Liberdade”, de Buñel, mostra uma série de quadros sem qualquer ligação um com o outro, senão o fato de serem surreais, ou seja, retratarem situações aparentemente absurdas. Uma delas é a do atirador.

Sujeito se posta no alto de um prédio e começa a disparar aleatoriamente contra transeuntes. Mata um, mata outro, vai matando. É preso e julgado. Ao receber sua sentença, obviamente condenatória, são retiradas suas algemas, ele é solto, sai pela porta da frente do tribunal, e mais: é cumprimentado por populares, com tapinhas nas costas, como se sua atitude fosse digna de encômios e ele fosse uma celebridade, dessas que recebem cartas na cadeia de “admiradores” que pedem autógrafos, fios de cabelo, objetos particulares, relíquias.

Chama-se “Código Penal” o momento mais expressivo – ou pelo menos o mais dramático – de saturação da sociedade, entendida esta como uma emulsão de elementos numéricos (população) e qualitativos (valores). Se o grupo não tiver padrões axiológicos minimamente construídos, a população não merece sequer ser chamada de sociedade pois não passa de um amontoado de gente convivendo de maneira tão surreal quanto os esquetes do Buñel. Nesse caso, qualquer tentativa de colar o adesivo nomotético no fundo da realidade da vida vai funcionar a título precário, com pontas soltas que anunciam que a figurinha está para cair a qualquer momento.

Democracia nada mais é do que uma técnica de organização do poder que leva em conta o aspecto contábil – o princípio da maioria, seja pelos votos depositados pelas massas em urnas, seja indiretamente, por seus representantes –, e o fio desencapado dos dissidentes a gente vê depois. Se houvesse uma coesão sólida, mesmo que parcial, praticamente qualquer regime político seria aceitável e a única preocupação diria respeito à domesticação da cupidez.

Jornal de Brasília - 2/11/2022

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