Ivaldo Lemos Junior
Procurador de Justiça do MPDFT
Jogar ovos ou tomates em políticos é permitido? Se você perguntar isso para um promotor de Justiça, a resposta não pode ser outra senão a negativa, em vista do artigo 37 da Lei de Contravenções Penais (LCP): “arremessar ou derramar em via pública, ou em lugar de uso comum, ou do uso alheio, coisa que possa ofender, sujar ou molestar alguém”.
A “coisa” são os ovos/tomates, o “alguém” é o político (ou o juiz e, na verdade, qualquer outro alguém) e o “arremessar” pode tanto “ofender” ou “molestar” quanto “sujar”. Em uma só tacada, pode-se desmoralizar uma pessoa emporcalhando sua vestimenta. Mesmo se o ataque for limpo, com água ou bolinhas de papel, ninguém aprecia ser alvo disso – embora a regra em questão não proteja a honra individual e sim a “incolumidade pública” (no Código Penal, crimes contra a incolumidade pública são incêndio, explosão, inundação etc.). A pena prevista é de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis. Dois contos de réis é dinheiro pra chuchu.
A LCP é uma lei velha, de 1941 (a rigor, é um Decreto-Lei mas funcionava e ainda funciona como lei porque o presidente Vargas tinha resolvido fechar o Congresso Nacional), e está bem machucada, com derrogações expressas e tácitas (exemplos das últimas: artigos 28 e 32), além de condutas inusitadas (“exibir ou ter sob sua guarda lista de sorteio de loteria estrangeira”, art. 54) ou adormecidas (“apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia”, art. 62). A LCP é interessante e, não vou mentir, já me deu muitas alegrias. Para mim, é quase romance.
Mas a subsunção do 37 não é a única resposta para a indagação inicial. Nem a melhor. Pierre Clastres vai explicar os tomates apelando para “esperança ou a saudade de um tempo mítico”, o que terei gosto em explicar em breve.
Jornal de Brasília - 30/11/2022
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