Ivaldo Lemos Junior
Procurador de Justiça do MPDFT
Uma das categorias de pensamento mais exploradas pelo jurídico é a do “normal”, vale dizer, das coisas que acontecem usualmente, de um mundo que gira em órbitas desenxabidas, previsíveis. Para dar um toque de classe, a expressão em latim é “quod plerumque accidit” ou “quod pluremque fit”.
Todos sabemos que ocorrem eventos extraordinários, incompreensíveis e até inacreditáveis, que acicatam a nossa capacidade de absorção. Para eles, a lei pode ou não ter uma solução. Mas mesmo para o óbvio do óbvio talvez não haja uma saída de praxe. O problema pode parecer evidente mas não o seu trato, coagulando assim o propalado conteúdo “conservador” do direito.
Vamos pensar em um banco de praça. Ele foi colocado ali para quê? Para se sentar. E, com isso, ler um bom livro, ficar no celular, comer um sanduíche, bater papo ou não fazer nada, só deixar a vida rolar. Até aqui tudo bem. Mas eu pergunto: por quanto tempo?
Vamos supor que alguém solicite que outro deixe o banco por entender que o está ocupando por tempo demais. Haverá um conflito se o primeiro não concordar, alegar que não há limitação de tempo. Nenhuma lei regula o assunto, tampouco as regras internas da praça (se é que existem), e o “quod plerumque” não desencalha o impasse, pois os dois lados têm lá alguma razão.
O aspecto matemático da normalidade é tão poderoso que acaba assumindo um certo hálito de juízo de valor, a partir da mera constatação de algo que se repete “ad nauseam”. Isso se chama “falácia naturalista”. Por exemplo, ser destro é “normal” não por ser bom em si – assim como soa pouco elegante designar o canhoto como “errado” e mais ainda “anormal”–, mas porque 80-90% das pessoas usam a mão direita para escrever. Nesse caso, o “bom” de ser destro é uma implicação estritamente operacional, já que objetos em geral são fabricados para eles e o resto que se vire.
Jornal de Brasília - 7/12/2022
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