Ivaldo Lemos Junior
Procurador de Justiça do MPDFT
A cantora americana Fiona Apple tem 45 anos. Quando tinha 12, foi atacada sexualmente por um estranho, no corredor do apartamento onde morava. Era véspera de um feriado tradicional no país – o Dia de Ação de Graças, de matriz religiosa e, de modo dessacralizado tanto quanto o nosso Natal, de banquetes familiares –, e o safardana ainda teve a petulância de lhe desejar “Happy Thanksgiving”.
Muitas garotas de 12 anos já se desenvolveram mas talvez ainda nem tenham atingido a menarca e, portanto, não estão fisicamente preparadas. E decerto não o estão em termos psicológicos, mesmo que o processo paulatino da maturidade tenha sido atropelado. Fiona passou a sofrer de problemas como depressão, ansiedade, distúrbios alimentares, conforme disse abertamente diversas vezes.
Não é de se espantar que tantas mulheres passem a enxergar os homens como inimigos e sintam aversão por eles, medo, nojo. Pessoas têm, sim, capacidade de devastar os outros, mas o estupro não é e nunca foi uma conduta generalizada nem tolerada pela sociedade na base da hipocrisia. Até em presídio os canalhas que cometem esse delito são separados dos assassinos e latrocidas. Você sabe o porquê.
Aos 21, Fiona regravou “Across the universe”, de John Lennon. No vídeo clipe, ela está em uma lanchonete e um grupo de homens invade e começa a destruir tudo. Com tacos de beisebol e pés de cabra, estilhaçam vidraças, reviram quadros, atiram bancos, quebram o que encontram pela frente. Mas nada fazem com ela, que parece invulnerável ao cantar “nada vai mudar o meu mundo”. Ela até se permite alterações em frases melódicas da música, que encontrou sua versão definitiva.
Os homens estão vestindo roupas quentes, à moda antiga, e Fiona, com o semblante sereno, monalísico, usa blusinha de alça e chinelo. O poder da destruição é grande mas o poder da mente pode ser maior ainda.
Jornal de Brasília - 11/1/2023