Ivaldo Lemos Júnior
Procurador de Justiça do MPDFT
Travis Bickle, protagonista do filme Taxi Driver, vê o mundo de um ângulo privilegiado. Dirigindo seu táxi ao longo da madrugada, pois sofre de insônia e pede para trabalhar nesse turno, ele percebe com os próprios olhos aquilo que outros sabem mas não veem.
Pessoas normalmente estão descansando entre as correrias de um dia e outro e não acompanham o que acontece na calada da noite, senão pelo que depõem a sujidade intacta dos passeios, as fitas policiais de isolamento e as notícias dos jornais ou do disse-me-disse no serviço ou na vizinhança. Travis, não. Travis é testigo direto da caixa de gordura que era Nova Iorque nos anos 1970 (depois “a cidade que nunca dorme” melhorou bastante) e sua realidade de assaltos, drogas, proxenetas, sirenes encanzinadas de bombeiros e ambulâncias.
Travis se sente enojado e resolve partir para o ataque. Ele não pode salvar a cidade mas pode salvar uma garota, uma mocinha de aparência angelical, na verdade uma prostituta mirim cavando abismos com os próprios pés. A menina é um ser de carne e osso e também um resumo do que ele está disposto a fazer, um sentido que preenche sua existência fungível. Sua missão implica preparação física, exercícios com armas e simulação de diálogos com antagonistas que projetava confrontar.
Acontece que Travis tentou remir outra pessoa, uma loira linda e “normal”, funcionária de uma campanha política. Ele passou pelo comitê eleitoral várias vezes e concluiu que ela sofria de solidão e as coisas em cima de sua mesa “não significavam nada”. E para onde a leva quando saem? Para um cinema adulto, justamente o tipo de lugar que foi fechado a fim de diminuir a violência de NYC. Isso mostra a distância entre vivenciar o problema e compreendê-lo. E mais: encontrar a solução e, mais ainda, implementá-la. A natureza tem horror ao vácuo e aqui não é nada diferente.
Jornal de Brasília - 15/3/2023
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