Ivaldo Lemos Júnior
Procurador de Justiça do MPDFT
Se eu te pedisse para pensar em um cachorro, você conseguiria fazê-lo com a maior tranquilidade. O desafio seria superado facilmente mesmo se fosse outro bicho, jamais visto com os próprios olhos, como um tubarão ou um dragão-de-komodo, e com mais razão um mamute ou um megatério, que estão extintos há muito, muito tempo.
Quando o assunto é cachorro, o que não falta é opção. É até desconcertante atinar para o fato de que raças tão diferentes quanto pinscher e dogue alemão, galgo afegão e basset hound, leão da Rodésia e maltipoo, compartilhem o mesmo volume de características a ordená-los sob a rubrica da mesma espécie. Tal classificação, como qualquer outra, não só pede traços convergentes como também excludentes, pois cães são mamíferos, quadrúpedes, peludos e rabudos, mas coelhos e ursos também são. E cães não são coelhos nem ursos.
Dizem que a mente humana é incapaz de criar algo inteiramente original, do nada, “ex nihilo”. Nosso poder de imaginação não é tão poderoso quanto gostaríamos e engendramos os nossos algos a partir de outros algos. Mesmo pintores, escultores, escritores, compositores e cientistas os mais genais basearam suas obras, mais ou menos direta e conscientemente, na fortuna de suas respectivas zonas culturais.
Qualquer cachorro que você pensar não passa de algum que conheça ou que já tenha visto, nem que seja em filme ou na internet. No máximo, foram pinçados e aviados aspectos de mais de um cão, numa montagem final que não existe mas que não é totalmente artificial. É uma mistura de produto ideal com elementos da realidade sensível, e que não tem como se comunicar com outra mente de maneira abstrata.
Pois bem. Se houver em alguma lei a palavra “cachorro”, o intérprete pode extrair daí um buldogue ou um chihuahua, um akita ou um beagle, um dálmata ou um pug. Mas não pode extrair um urso ou um coelho.
Jornal de Brasília - 29/3/2023
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