Ivaldo Lemos Júnior
Procurador de Justiça do MPDFT

Quanto de certeza você precisa para absorver uma informação a título de um fato, tenha esse fato acontecido na imensidão da história e da geografia ou diante de seus próprios olhos? Até que ponto você se anima a acolher como verdade algo muito provável, um tanto provável ou pouco provável? E o que você faz com o refugo do inverossímil e do absurdo (termos que podem nada significar, pois a verdade nem sempre é clara e evidente)?

Tais perguntas não agitam os preparativos para grandes investigações filosóficas ou científicas, mas também para atitudes diante da vida cotidiana, inclusive em uma dimensão moral. Acreditar ingenuamente em qualquer coisa que lhe contam é tão inconveniente quanto ser desconfiado em excesso e não reconhecer como realidade nem se colocar o dedo nas mãos e no lado.

Shakespeare é um bom exercício para essas indagações. Trata-se de pessoa famosíssima, mas os que o conheceram já estão mortos há séculos. Provas inegáveis de sua existência são escassas e contraditórias, e, em todo o caso, nenhuma foi examinada diretamente por você ou por mim, e é inevitável recorrer a uma petição de princípio: o consenso dos estudiosos.

Pois bem. Certidão de nascimento não há. Mas de batismo e de óbito há. Em 26.4.1564, na Igreja da Santíssima Trindade, em Stratford-upon-Avon, recebeu o primeiro sacramento “Gulielmus filius Johannes Shakspere” (sic), e alguém chamado “Will Shakspere” (sic) foi enterrado no mesmo vilarejo, em 25.4.1616.

O local do nascimento e o do falecimento são tão provavelmente corretos que dá para cravar que o sejam de fato. Já o dia do nascimento é o plausível 23 de abril, por motivo de costume registrário, e o da morte, outrossim na base do plausível, é 23 de abril. Na soma dessa equação epistemológica, o resultado é que é “provável” que Shakespeare tenha nascido e morrido nos mesmos dia e mês.

Jornal de Brasília - 10/5/2023

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